terça-feira, 21 de março de 2017

Blindagem trabalhista não gera empregos.

O Brasil precisa criar empregos de qualidade. Os agentes públicos deveriam sintonizar as iniciativas com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
Em processos trabalhistas, a comprovação de fraudes que lesam direitos trabalhistas, infelizmente, é bastante frequente.
Em Santa Catarina, um operador que trabalhou em empresa de bebidas comprovou a fraude nos registros de horário de trabalho (Processo nº 294000-51.2008.5.12.0007). Ganhou as horas extras ardilosamente suprimidas. O Tribunal Superior do Trabalho – (TST) manteve a decisão em que ficou comprovada a manipulação com fraude nos registros do relógio-ponto eletrônico. Foram suprimidas de três a quatro horas por dia por meio do registro de dias trabalhados como folgas. A fraude foi constatada em vários processos semelhantes.
Em Praia Grande (SP), unidade de uma conhecida empresa de fast food obrigava atendentes a anotar horários falsos de entrada e saída. A fraude no controle de ponto, com registros “britânicos” (todos exatamente iguais, todos os dias), que atingia inclusive os aprendizes, levou o Ministério Público do Trabalho a processar a rede de lanchonetes. O MPT demonstrou que a fraude era sistemática, com o objetivo de economizar com a sonegação de direitos trabalhistas. Em setembro de 2016, a 1ª Vara do Trabalho da Praia Grande determinou, sob pena de multa diária, a substituição do controle da jornada de trabalho por um sistema inviolável (Processo nº 1000410-98.2015.5.02.0401).
No Paraná, em maio de 2015, uma instituição financeira que está entre as maiores litigantes da Justiça do Trabalho, foi condenada em ação movida pelo MPT por não permitir a correta anotação de horas extras em cartão ponto. O juiz do trabalho assinalou que a situação de irregularidades no banco é “crônica”: Fraudes nos registros de horário ou no enquadramento de empregados em funções de confiança. (Processo nº 12831-2013-004-09-00-3).
O artigo 74 da CLT, que estabelece a obrigatoriedade de anotação da hora de entrada e de saída do trabalhador, foi alterado em 1989 (Lei nº 7.855). Modernizando-se, passou a admitir, além do registro manual e mecânico, também o eletrônico.
A modernidade tecnológica foi logo dominada pelas práticas fraudatórias. Investigações demonstraram inúmeras manipulações: sofisticadas ou grosseiras. Em agosto de 2009 o MTE expediu a Portaria nº 1.510, disciplinando o registro eletrônico de ponto de forma a minimizar as fraudes. Dentre outras medidas, determinou a impressão dos comprovantes para o trabalhador.
A alteração legislativa no método do registro de horário, promovida já na vigência da Constituição de 1988, é prova da improcedência das alegações de que a CLT clamaria por urgente atualização “modernizadora”.
Estudo do Procurador do Trabalho Rodrigo Carelli indicou que, em 70 anos, dos 510 artigos da CLT apenas 75 não foram alterados. Ou seja, em 85% dos dispositivos já houve alterações, além das leis esparsas que dispõem sobre o direito do trabalho.
As técnicas de redução de custos e de maximização de lucros são inerentes ao mercado competitivo. Com esse propósito, em outra área que afeta o setor empresarial, desenvolveram-se conceitos e práticas de planejamento tributário. Por meio da elisão fiscal, são adotadas estratégias de planejamento das obrigações tributárias.
A técnica distingue-se da mera evasão fiscal, em que há o enquadramento no crime de sonegação. Assim, por meio da elisão, o contribuinte, sem que haja fraudes ou simulações, alivia a carga tributária, normalmente agindo em “brechas” da legislação.
A atuação elisiva retira o contribuinte da esfera de incidência do tributo ou o insere em alíquota mais vantajosa. Há publicações que sugerem o nome de “blindagem tributária” para a orientação técnica que possibilitaria os melhores resultados na diminuição dos custos fiscais.
Os governos, como é de se esperar, sistematicamente legislam visando à redução dos espaços em que atuam os que se dedicam a estudar as “brechas” da legislação tributária.
Em meio à crise, a alteração da correlação de forças políticas e o oportunismo deram ânimo ao propósito de reduzir, licitamente, os custos trabalhistas, por meio da alteração de normas que protegem o trabalhador. Entidades patronais patrocinam maciça campanha midiática para que as mudanças ocorram de forma rápida. Não há disposição para uma discussão que demonstraria que a proposta reduz direitos, agrava a desigualdade social e é ineficaz para a solução do desajuste econômico.
Com exagero eufórico, a proposta foi apresentada pelo governo como um “belíssimo presente de Natal”. Apesar do insistente discurso, não há evidências de que seriam criados novos empregos pela mera precarização dos postos de trabalho existentes.
A proposta contida no PL 6.787/2016 introduz um novo artigo na CLT, prevendo que a convenção ou o acordo coletivo de trabalho tem força de lei quando dispuser a respeito de 13 temas listados no projeto, incluindo jornada de trabalho, férias, intervalo para descanso, banco de horas, registro de jornada e remuneração por produção.
O dispositivo, que afirma a prevalência do negociado sobre o legislado, ignora a fragilidade do nosso modelo sindical. Com mais de 16 mil sindicatos (11 mil representam trabalhadores e 5 mil empresas) registrados, além de outros 2 mil sindicatos buscam seu registro perante o Ministério, os especialistas indicam a gritante crise de legitimidade e de representatividade da estrutura sindical. O ambiente é propício para negociações espúrias ou para a mera chancela de acordo lesivos ao trabalhador.
A brecha criada no PL para a negociação sobre o registro da jornada praticada admite, em tese, inclusive a sua simples e pura abolição, ou a adoção do ponto “por exceção”, claro impulso às fraudes. De fato, o registro de jornada é instrumento que dá alguma garantia aos trabalhadores de que os limites de jornada serão respeitados e que as horas efetivamente trabalhadas serão pagas. É possível deduzir inclusive que a ampliação das fraudes nos registros de horários desestimule novas contratações. Se for possível exigir mais horas de trabalho de um mesmo operário, por que seriam contratados outros?
A medida pode ser prejudicial inclusive para o empregador zeloso, que cumpre regular e corretamente suas obrigações trabalhistas. Sendo atingido por eventual norma coletiva pactuada com o sindicato, deixará de contar com a prova documental, pré-constituída e segura de que a jornada legal foi observada.
O exemplo da flexibilização do registro do ponto bem elucida o potencial prejuízo aos trabalhadores e à organização capital-trabalho contido na proposta. Trata-se de uma “brecha” que encoraja a corrupção nas relações coletivas de trabalho.
Sem garantir a segurança jurídica tão desejada pelos agentes econômicos, tem forte potencial de transferir renda em sentido inverso ao comando constitucional que deveria orientar as relações econômicas para a erradicação da pobreza e para a redução das desigualdades sociais.
O Brasil precisa criar empregos de qualidade. Os empregos que o Brasil precisa não virão de mudanças legislativas que estimulam as fraudes e “blindam” maus empregadores. Esse não é o caminho para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
(*) Leomar Daroncho é procurador do trabalho.

Fonte: Valor Econômico, por Leomar Daroncho, 08.03.2017

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