A defasada legislação trabalhista no Brasil pode complicar o futuro da economia compartilhada. Novas tecnologias como Uber, Airbnb, Cabify entre outras devem enfrentar muitos desafios legais, segundo especialistas.
Para o coordenador do núcleo trabalhista do Nelson Williams e Advogados Associados, Eduardo Parajara, na falta de legislações que regulamentem as novas plataformas, ficam valendo as leis que foram feitas anos ou até décadas atrás. “Eu acredito que exista um conflito entre o Direito e as novas tecnologias. A Consolidação das Leis do Trabalho [CLT], por exemplo, é de 1943 e não previa esses modelos”, destaca o especialista.
Exemplo recente disso é uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3), que reconheceu o vínculo de trabalho entre motorista que oferece serviço pela Uber e a empresa. O relator do caso, juiz da 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, Marcio Toledo Gonçalves, baseou sua decisão no artigo 3º da CLT, que considera como empregado quem presta serviço de natureza não eventual, sob dependência do empregados e mediante salário.
O julgamento ganhou atenção dos advogados por ter sido realizado uma semana após uma decisão diametralmente oposta ser tomada em um tribunal na mesma cidade. A oposição dos dois juízos, na opinião do sócio da área trabalhista do Siqueira Castro Advogados, Giancarlo Borba, evidencia a insegurança jurídica presente no tema.
“Podem haver vinte ações similares com vinte posições diferentes. Até o Tribunal Superior do Trabalho [TST] pacificar a questão sob a forma de Súmula, a confusão vai continuar”, afirma.
A Uber informou em nota que deverá recorrer da decisão.
“Uberização”
Em sua argumentação, o juiz de Belo Horizonte também apontou o fenômeno que chamou de “uberização das relações laborais”, às quais atribui tanta importância social quanto o surgimento do fordismo no início do século XX. “[…] assistimos ao surgimento de um fenômeno novo, a ‘uberização’, que, embora ainda se encontre em nichos específicos do mercado, tem potencial para se generalizar para todos os setores da atividade econômica”, analisou.
Para Eduardo Parajara, esse caráter abrangente da decisão se torna um grande risco ao modelo de negócios da economia compartilhada, porque pode gerar entendimentos parecidos para as outras tecnologias. “Um ponto importante sobre essa decisão, é que o tribunal entendeu que a Uber é uma empresa de transporte”. De acordo com o advogado, isso abre caminho para que o Airbnb seja visto como uma administradora de hotéis e o Cabify seja entendido como uma companhia de táxi, por exemplo.
O futuro para as empresas que fazem parte da economia compartilhada se torna alarmante a partir desse ponto de vista. Parajara vê uma chance maior de consolidação de um precedente a partir desse novo juízo da Justiça Trabalhista de Minas Gerais sobre a Uber – afirmando o vínculo – do que do anterior. “O novo julgamento até mesmo citou o outro, então acaba sendo uma jurisprudência mais forte”, avalia.
O sócio-fundador da plataforma on-lineJurídico Certo, Rafael Heringer, admite que acompanha de perto as disputas judiciais envolvendo a Uber e que a decisão recente acendeu um alerta. “O nosso caso é mais específico porque atuamos na área jurídica, mas nos preocupamos, já que os modelos de negócio se parecem.”
O Jurídico Certo funciona de maneira simples, o advogado em busca de renda extra se inscreve, ficando à disposição para contato das empresas. Já as companhias inscrevem uma demanda e a plataforma encontra o usuário mais qualificado para cuidar do processo.
Heringer conta que já tomou providências em sua empresa para reduzir a possibilidade de problemas na Justiça. “Nós trabalhamos em uma listagem automática dos protestos do advogado, para saber se o profissional já moveu ação contra cliente para quem fez algum trabalho”, explica.
A Cabify, por sua vez, informou ao DCI que não comenta decisões da Justiça sobre outros serviços, porém, se declara disponível para encontrar caminhos viáveis para resolver quaisquer situações que ocorram junto a seus parceiros.
Segundo especialistas, a insegurança para os empresários que operam na economia compartilhada só acabaria com a edição de uma Súmula no TST ou com o desenvolvimento de legislações específicas para os novos modelos. O problema, adianta Giancarlo Borba, é que o momento político atual funciona como empecilho para a aprovação de medidas deste tipo. “São muitas reformas travando a pauta do Congresso.” Em nota, a Airbnb diz que sua atividade é legal e regulamentada no Brasil, independentemente do cenário de outras empresas.
Fonte: Diário Comércio Indústria & Serviços, por Ricardo Bomfim, 23.02.2017
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