segunda-feira, 6 de março de 2017

O quebra-galho virou solução.

O momento econômico conturbado do país tem favorecido uma modalidade de carreira antes vista com muito preconceito: a do executivo temporário. Esse profissional começou a ser mais requisitado depois que algumas empresas perceberam que precisavam se adequar à nova realidade de mercado. Sem ter a pessoa certa entre seus colaboradores para comandar os ajustes necessários, nem caixa suficiente para bancar um alto executivo permanente, o gestor temporário tornou-se uma boa saída para essas companhias.
Entre janeiro de 2015 e janeiro deste ano, a consultoria de recrutamento Page Interim registrou um aumento de 25% em contratações de gestores temporários, sendo 10% dessa demanda por executivos de alta gerência. “A percepção das empresas, que antes viam o temporário como um quebra-galho, tem mudado nesses últimos dois anos”, diz Fernanda Baldivia, gerente-executiva da Page Interim.
Outras consultorias, especializadas em abastecer o mercado com esse perfil de profissional, também identificaram a demanda maior por gestores temporários em decorrência da crise econômica brasileira. Para Marcio Roza, diretor da Comatrix, consultoria especializada em gestão temporária de nível executivo, a procura aumentou cerca de 40% no primeiro trimestre de 2016, comparado com o mesmo período do ano passado. “Aqui no Rio, a cadeia de petróleo está sendo a mais afetada pela crise. Mas também setores como concessionárias de veículos e empresas impactadas pelo avanço de novas tecnologias também estão correndo atrás desse modelo de gestão, como forma de oxigenar seus departamentos.”
O detalhe é que o aumento da demanda coincide com a oferta maior de profissionais qualificados, que foram demitidos de seus empregos e agora encaram o temporário como uma nova oportunidade de carreira. “As empresas de recolocação estão nos mandando mais gente que o normal. Como só contratamos pessoas que tenham sido, no mínimo, diretor de empresas significativas, muitos não podemos aceitar”, conta o diretor.
Na opinião de David Braga, presidente da Prime Talent, se 2015 foi um ano marcado por demissões e revisões de estratégias por causa de custos, 2016 está sendo um ano em que as empresas estão buscando expertise para terem melhor desempenho nesse cenário econômico. “Alguns desses executivos já vivenciaram outras crises, têm experiência em tomadas de decisão e, quando assumem essa posição, não fazem apenas o planejamento, mas também conduzem o processo de reestruturação, colocando a mão na massa.”
As empresas familiares são as que mais demandam por esse tipo de executivo, porque precisam ganhar eficiência, profissionalizar processos, sistematizar e ter estratégias consistentes para recuperar mercado. “A velha receita caseira do ‘deu certo até hoje, para que mudar’ não é mais uma máxima. A ordem é se reinventar ou estará fadado à falência”, afirma o presidente da Prime.
Quase sempre a contratação é feita como pessoa jurídica, sem vínculo empregatício por um período médio de seis meses a um ano. Ter sido diretor financeiro ou diretor-geral de alguma grande empresa ou já ter feito parte de um conselho de administração são alguns dos requisitos. Os salários vão depender do tamanho do projeto e, na maioria das vezes, estão vinculados a uma variável diretamente ligada aos resultados da companhia.
Em alguns casos, o profissional acaba ficando mais tempo que o previsto. Foi o que aconteceu com Clecio Luiz Chiamulera, 58 anos, que trabalhou em 12 empresas em cargo de direção, com uma média de dois anos de permanência em mais de 15 projetos. Atualmente, ele está encerrando um ciclo de três etapas, a última delas durou dois anos, como diretor de operações na Ibema Cia Brasileira de Papel, após promover uma fusão da divisão de papel-cartão da fábrica com a Suzano. Nesse período, também atuou no fortalecimento da governança corporativa, com a transição do comando da empresa de uma geração para a seguinte.
“A empresa que está estruturada não precisa desse tipo de trabalho. A grande maioria dos projetos que eu faço é quando elas querem crescer rápido, normalmente por meio de aquisição ou fusão.” Chiamulera adotou o trabalho temporário por acaso depois de ter ficado 13 anos na Whirlpool, utilizando a metodologia da companhia para fazer mudança rápida e com segurança em diferentes projetos internos. “Quando eu saí de lá, percebi que isso era um negócio que podia ser aplicado em outras empresas”, conta.
Nesse mesmo mercado, gestores mais juniores, também cortados de empresas, têm seu espaço, principalmente em áreas relacionadas à tecnologia. “Geralmente, meus clientes pedem pessoas entre 25 e 40 anos de idade, porque é difícil encontrar um executivo muito sênior que tenha trabalhado com aplicativo de celular, por exemplo”, explica Caio Arnaes, gerente da consultoria em recrutamento Robert Half.
Na sua visão, os principais motivos para o aumento da contratação de temporários no Brasil são a necessidade de mais flexibilidade de recursos, redução de custos e o desenvolvimento de mais trabalhos com base em projetos e habilidades não disponíveis na empresa. A sua percepção é a de que também houve um aumento na demanda por temporários na média gerência. No entanto, diferentemente dos profissionais maduros, os mais juniores ainda querem fixar raiz. É o que diz Fernanda Baldivia, da Page Interim. Segundo suas projeções, entre 40% e 50% dos profissionais temporários nesse nível acabam sendo contratados pelas empresas onde estão prestando o serviço.
Victor Sebastião, 35 anos, enquadra-se nesse exemplo de temporários que buscam ser permanentes. Ele começou no ano passado e já está na sua terceira empresa, desta vez na área de controladoria da Coopervision, multinacional fabricante de lentes de contato. “Eu busco um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, o bom ambiente de trabalho e a questão financeira. Enquanto eu não encontro essa posição, prefiro trabalhar como temporário. Mas, quando encontrar, vou querer ficar”, diz.
Ele vê como vantagens do temporário as novidades que envolvem cada projeto, a menor concorrência para o cargo temporário em relação ao permanente e, consequentemente, sua rápida recolocação. A dificuldade em se planejar a médio e longo prazo seria uma desvantagem. Por outro lado, as oportunidades de negociação salarial são maiores. Foi graças a uma delas que conseguiu um aumento de 120% na saída de uma e entrada em outra companhia. “Se não tivesse trocado de empresa como temporário, eu nunca conseguiria esse aumento tão rapidamente.”
Assim como Victor, Flávio Yoshinobu Matsumaga, 52 anos, também começou nessa modalidade de carreira em 2015. Ele está ainda na sua primeira experiência como gerente interino de logística em uma empresa de produtos de saúde. Deve permanecer mais nove meses. Nesse projeto, responde diretamente ao titular da posição, que está em outro projeto, e ao gerente-geral da operação aqui no Brasil.
A sua rotina como temporário não difere muito de um executivo permanente. “Eu tenho as mesmas responsabilidades de entregar resultados, otimizar o uso dos recursos físicos e financeiros, melhorar a produtividade, a qualidade, minimizar custos e riscos ao negócio em questão”, diz Matsumaga. Para ele, o principal desafio nos primeiros dias de trabalho é entender os valores e a cultura da empresa para se posicionar de forma mais adequada e rapidamente conquistar a confiança dos seus principais interlocutores. Embora tenha a vantagem de poder atuar em projetos diferentes, o executivo temporário precisa se planejar. “É preciso ter autocontrole para lidar com incertezas, pois este é um componente que está cada vez mais presente nos ambientes corporativos”, afirma.
Na opinião de Gino Oyamada, diretor da 3G Consultoria, a gestão interina não avança na mesma velocidade que ocorre no exterior porque a legislação trabalhista aqui é inibidora dessa prática. “Com a chegada da crise, o cenário mudou. As empresas estão tendo de repensar seus negócios, modelos de reorganização, processos de readequação para ajustar à nova realidade”, afirma. Seja qual for o próximo cenário, a expectativa é de que os executivos temporários frequentem cada vez mais as empresas daqui em diante.

Fonte: Valor Econômico, por Luiz De França, 23.02.2017

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