Vira e mexe, aparece alguma crítica ao Direito do Trabalho brasileiro. Antigo demais, complexo demais, rígido demais, protetivo demais. Com alguma ironia se poderia dizer que o único aspecto no qual todos os críticos concordam é que Direito do Trabalho é demais.
Mas vale a pena examinar mais a fundo essas críticas, pois um único trocadilho não seria suficiente para desconstruir toda a propaganda ideológica e falaciosa que as sustenta. Afinal de contas, em praticamente todos os meios de comunicação patrocinados por grandes corporações somos bombardeados por críticas diretas ou veladas ao modelo de vida em sociedade que justifica e exige o tipo de Direito do Trabalho existente no Brasil.
A Consolidação das Leis do Trabalho é de 1943. O Código Civil francês é de 1804 e continua em vigor. Apesar disso, os críticos da CLT consideram mais atualizados os princípios liberais enunciados no Código Civil francês, cerca de 140 anos antes da CLT. Os arautos da modernidade consideram a coerência uma virtude démodé.
O mesmo Direito do Trabalho é aplicável em todo o território brasileiro, qualquer que seja o estado da federação. Nos Estados Unidos, entretanto, existe uma disciplina própria para o Direito do Trabalho em cada um dos estados federados, além de um Direito do Trabalho federal. Da mesma forma, na União Europeia há sobreposição entre as Diretivas da União Europeia e a legislação de cada Estado Nacional. Além disso, alguns Estados Nacionais europeus são federações que podem permitir que as unidades federadas produzam as próprias normas de Direito do Trabalho. Claramente, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos o Direito do Trabalho é muito mais complexo do que no Brasil, pois, além das peculiaridades da legislação local, são inevitáveis as antinomias entre os diversos níveis de legislação (supranacional / federal / estadual / local).
A suposta rigidez e excesso de proteção ao trabalhador são outros mitos que não resistem a uma avaliação honesta. A liberdade contratual trabalhista é bastante ampla, ao contrário do que se costuma dizer. As obrigações principais e estruturantes do Contrato Individual de Trabalho (Contrato de Emprego) consistem na obrigação de prestar trabalho (do empregado) e na obrigação de contraprestar salário (do empregador). Ora, é perfeitamente possível estipular qualquer salário, acima do mínimo, e qualquer jornada de trabalho, abaixo da máxima, num contrato individual de trabalho. Além disso, a Constituição já permite a redução dos salários e a ampliação da jornada de trabalho, desde que por negociação coletiva. Ou seja, empregados e empregadores possuem ampla liberdade para negociar as suas obrigações principais, no Brasil.
O Direito do Trabalho brasileiro se limita a estabelecer um limite máximo para a obrigação do empregado e um limite mínimo para a obrigação do empregador, além de tutelar a integridade física e psíquica dos trabalhadores. Sem esses limites, seria juridicamente possível que uma menina de 12 anos fizesse a limpeza de um prostíbulo, durante 20 horas por dia, e recebesse como contraprestação unicamente a alimentação que consumisse — um regime de trabalho que poderia ser classificado como um dos piores tipos de escravidão. Como visto, a proteção existente é mais do que justificada. Basta que seja respeitado o mínimo existencial (reste à vivre), os patamares mínimos de proteção da vida (especialmente por meio de normas de saúde e segurança do trabalho) e da dignidade da pessoa humana.
É claro que o nosso Direito do Trabalho não é perfeito, nem imune a críticas. Evidentemente, pode e deve evoluir. Mas não é a evolução do Direito do Trabalho que é perseguida por aqueles que utilizam o advérbio de intensidade “demais” ligado a adjetivos supostamente depreciativos como “antigo”, “complexo”, “rígido” e “protetivo”. Quem trata o Direito do Trabalho dessa forma busca a destruição de um modelo minimamente equilibrado para a relação entre capital e trabalho, não a sua evolução.
A evolução para a liberdade sindical plena seria bastante interessante e coerente com a diretriz do cabeçalho do artigo 8º da Constituição. Com um modelo de liberdade sindical plena, a tendência seria que houvesse menos sindicatos profissionais, que precisariam ser mais representativos dos interesses da categoria profissional. Não haveria o chamado “imposto” sindical (na verdade, trata-se de outra espécie de tributo: contribuição social) e nem a sujeição automática dos trabalhadores à negociação coletiva. Com isso, os trabalhadores poderiam escolher entre aderir ou não aderir à norma coletiva e só contribuiriam para o sindicato profissional se as vantagens da negociação coletiva fossem bem maiores do que o valor da contribuição sindical. Combinada com a crescente aceitação da teoria do conglobamento, a liberdade sindical plena faria com que até mesmo a prevalência do negociado sobre o legislado deixasse de ser um tabu.
Entretanto, para que esse modelo pudesse ser equilibrado, seria necessário que os reajustes salariais para reposição da inflação não ficassem inteiramente dependentes da negociação coletiva, como acontece atualmente. Caso contrário, os trabalhadores teriam que aderir a qualquer norma coletiva (mesmo desvantajosa) para preservar minimamente o poder de compra dos seus salários. Uma possível solução para esse problema seria a obrigatoriedade de que os contratos individuais de trabalho contivessem algum índice anual de reajuste salarial, que deveria ser aplicado em caso de fracasso da negociação coletiva, assim como acontece com os contratos de locação de imóveis (que costumam ser reajustados pelo IGP-M).
De qualquer modo, o Direito Civil brasileiro já oferece uma solução para esse tipo de desequilíbrio funcional (que ocorre na fase de execução ou de cumprimento do contrato), consistente na Revisão Judicial dos Contratos, disciplinada pelo artigo 317 do Código Civil. O Enunciado 17 da I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal, inclusive, esclarece que a expressão “motivos imprevisíveis” constante do artigo 317 do Código Civil abrange causas previsíveis, mas de resultados imprevisíveis, como é o caso da inflação.
Como visto, o Direito Civil pode ser ainda mais favorável ao trabalhador do que o Direito do Trabalho, embora ninguém acuse o Direito Civil de ser protetivo demais, rígido demais, complexo demais e nem antigo demais. Na verdade, o que existe é má-vontade demais com o Direito do Trabalho.
(*) Guilherme da Rocha Zambrano é juiz substituto na 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, por Guilherme da Rocha Zambrano (*), 21.03.2017
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