A proposta de reforma trabalhista apresentada pelo Palácio do Planalto e em discussão na Câmara dos Deputados jogará luz neste ano de 2017 sobre a capacidade de os sindicatos representarem os trabalhadores em acordos com os patrões.
O governo afirma que o objetivo da reforma é “modernizar” a lei e favorecer a criação de mais empregos. Um dos eixos da proposta é fortalecer o instrumento da negociação coletiva, por meio da qual sindicatos definem com os empregadores regras sobre jornada de trabalho, férias e intervalo de descanso, entre outros temas.
As centrais sindicais estão divididas sobre o tema. A CUT (Central Única dos Trabalhadores), maior delas, que representa 21% dos trabalhadores, é contra. A Força Sindical, segunda maior — 15% dos trabalhadores — vê vantagens no fortalecimento dos acordos propostos pelo Planalto. A UGT (União Geral dos Trabalhadores), terceira no ranking, que representa 12% dos trabalhadores, prefere que o governo dedique sua energia a outros projetos.
Na organização do sindicalismo brasileiro, as centrais sindicais ficam na ponta da pirâmide, representando em âmbito nacional um grande número de trabalhadores de diversos Estados e setores da economia. Na base do sistema, estão os sindicatos.
Cabe aos sindicatos firmar com os empregadores acordos coletivos (afetam apenas os trabalhadores de uma determinada empresa) ou convenções coletivas (valem para todos os trabalhadores representados pela entidade).
Hoje, a lei é rígida sobre quais direitos e deveres podem ser negociados. A proposta do governo amplia o alcance dos acordos e convenções, permitindo que eles definam regras sobre 13 temas. Além disso, o resultado da negociação teria a mesma força que a lei, reduzindo a chance de ser contestado na Justiça.
Por exemplo, se o sindicato dos garçons de uma determinada cidade fechar um acordo com o sindicato dos donos de bares e restaurantes que a jornada será ampliada a 12 horas diárias às quintas e sextas-feiras — respeitado o limite de 220 horas totais por mês — todos os empregados do setor terão que se submeter à nova regra.
Esse item da reforma aumenta a importância dos sindicatos na negociação de aspectos das relações entre empregados e patrões. Entenda como os sindicatos de trabalhadores funcionam:
As regras do sistema
Apenas um sindicato em cada território
No Brasil, só pode existir um sindicato para cada profissão em cada região geográfica. Esse modelo, chamado de “unicidade sindical”, proíbe que sejam criados sindicatos concorrentes para representar o mesmo grupo de trabalhadores em determinada área.
Financiamento obrigatório
A principal forma de sustentação financeira dos sindicatos é a contribuição sindical, também conhecida informalmente como imposto sindical. Esse tributo é pago obrigatoriamente por todos os trabalhadores e equivale a um dia de salário por ano. O dinheiro é arrecadado pelo governo e depois distribuído às entidades sindicais, de acordo com o número de trabalhadores que cada uma representa. Em 2016, esse tributo rendeu R$ 3,5 bilhões às entidades sindicais.
Além da contribuição sindical, os sindicatos podem cobrar contribuições extras de quem for filiado voluntariamente à entidade.
Quem representa quem
Os sindicatos podem representar os trabalhadores de um município, de um conjunto de municípios ou de um Estado inteiro.
Por exemplo: os bancários de São Paulo, Osasco e outras 15 cidades da região são representados pelo mesmo sindicato. Quem trabalha em bancos nesses municípios é obrigatoriamente representado por essa entidade.
Há também sindicatos que abrangem apenas uma cidade, como o que representa os vigilantes do município do Rio de Janeiro. E alguns têm como base um Estado inteiro.
E se estiver insatisfeito com o sindicato?
O trabalhador tem duas alternativas. A mais comum é ele se filiar ao sindicato e cobrar mudanças na condução da entidade, ou se juntar a um grupo para disputar a próxima eleição do sindicato.
Outra opção, mais difícil, se aplica a casos em que o sindicato representa mais de um município. Nesse cenário, é possível tentar dividir a entidade e criar uma nova, com abrangência territorial menor — isso envolve cumprir uma série de formalidades e ter apoio da maioria dos trabalhadores da região.
As federações, confederações e centrais
O elo mais forte do sistema sindical no Brasil é o sindicato. Em regra, somente ele pode fechar acordos ou convenções trabalhistas. Em 2015, o país tinha 10.817 sindicatos de trabalhadores, segundo pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada).
As federações representam, em âmbito estadual, os diversos sindicatos de uma determinada profissão, e as confederações reúnem sindicatos e federações de uma profissão em esfera nacional. As federações e confederações só podem negociar acordos e convenções coletivas se os sindicatos não o fizerem.
As centrais sindicais representam um conjunto de sindicatos, federações e confederações, de profissões e regiões geográficas variadas. Elas existem na prática desde a década de 1980, mas só foram regulamentadas em 2008.
Como o dinheiro da contribuição sindical é dividido
60% Sindicatos
15% Federações sindicais
5% Confederações sindicais
10% Centrais sindicais
10% Fundo de Amparo ao Trabalhador (ajuda a custear seguro-desemprego, abono salarial e outros programas)
Qual é a diferença de ser sindicalizado ou não
Os acordos e convenções coletivas assinados por sindicatos, que tratam, por exemplo, de reajustes anuais, valem para todos os trabalhadores da sua base geográfica, independentemente se ele é filiado voluntariamente ou não à entidade.
Por lei, todo sindicato também é obrigado a fornecer assistência jurídica gratuita em questões trabalhistas a todos os funcionários representados, filiados ou não.
Quem é filiado ao sindicato em geral paga uma mensalidade extra e tem direito a participar da vida da entidade, como se candidatar e votar nas suas eleições, e contribuir para o crescimento e fortalecimento da representação dos trabalhadores. Para estimular a adesão de mais funcionários, alguns sindicatos oferecem serviços extras, como plano médico e odontológico.
A influência fascista na lei
Na quinta-feira (9), o relator da proposta de reforma trabalhista na comissão especial da Câmara que analisa o tema, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), afirmou que a legislação brasileira era “fascista”, por inspiração de norma semelhante que entrou vigor na Itália em 1927, sob o comando de Benito Mussolini.
O procurador do Trabalho Renan Kalil afirma ao Nexo que, de fato, alguns trechos da lei trabalhista brasileira tiveram influência fascista. Entre eles, a cobrança obrigatória da contribuição sindical e o sistema que permite apenas um sindicato em cada base geográfica, que persistem até hoje. Esses dois itens não são alterados pela reforma trabalhista proposta pelo Palácio do Planalto.
De 1943, no governo Getúlio Vargas, até o final da ditadura militar, o Ministério do Trabalho conduzia o processo eleitoral das entidades e podia intervir nas direções. Essas regras também vieram do modelo fascista, mas foram revogadas pela Constituição de 1988.
Outros aspectos da lei brasileira, contudo, foram inspirados em tratados internacionais e normas de outros países democráticos, como jornada diária de 8 horas, férias remuneradas e cobrança de adicional por hora extra, segundo Kalil.
Críticas ao modelo
Em estudo do Ipea publicado em dezembro de 2016, o pesquisador André Gambier Campos afirma que muitos sindicatos no Brasil hoje não têm condições adequadas para “promover novas formas de regulação do trabalho”. Segundo ele, na média, os sindicatos têm poucos trabalhadores em sua base e um baixo nível de sindicalização — entre os empregados assalariados, 16,9% são filiados voluntariamente a sindicatos.
O pagamento compulsório de imposto, diz a pesquisa, estimula a proliferação de sindicatos sem que haja uma base de trabalhadores robusta, “devido a disputas envolvendo os recursos financeiros da contribuição obrigatória”. Para Campos, modificar o financiamento obrigatório e a exclusividade de sua organização em um território poderia ajudar a criar sindicatos “mais fortes e atuantes”.
A proposta é polêmica. A CUT defende o fim da contribuição obrigatória e a liberdade para os trabalhadores criarem mais de um sindicato em uma mesma região, modelo já em vigor em diversos países europeus, como Itália, Portugal e Espanha.
Já a Força Sindical e a UGT querem a manutenção do sistema atual. Elas afirmam que acabar com a contribuição obrigatória enfraqueceria as entidades e o poder de negociação dos trabalhadores. Em 2015, em audiência pública na Câmara, os sindicatos patronais, que representam os empregadores, também defenderam a manutenção da contribuição obrigatória sindical.
Fonte: NEXO, por Bruno Lupion, 12.02.2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário