O artigo 468 da CLT protege o empregado contra alterações contratuais unilaterais e que lhe tragam prejuízos diretos e indiretos.
A doutrina brasileira admite que no uso do jus variandi o empregador possa introduzir unilateralmente algumas modificações no contrato de trabalho sem que se configure alteração ilícita ou mesmo de uma alteração contratual propriamente dita.
Essas modificações restringem-se aos aspectos denominados circunstanciais, nunca dos aspectos essenciais do pacto laboral. Cita-se alguns exemplos de situações que configuram exercício regular do jus variandi: distribuição de tarefas, movimentação de pessoal de setor para setor, de estabelecimento para outro, no mesmo município, mudança de horário, quando ao modo de realizar determinados serviços, pequenos ajustes no horário de início e fim do expediente diário, etc.
Já a qualificação profissional do trabalhador é uma das cláusulas fundamentais do contrato de trabalho, não sendo toleradas alterações de funções unilaterais porque refogem ao âmbito do jus variandi do empregador.
Assim, se o trabalhador foi contratado para determinada função e o empregador exigir prestação de serviços estranhos ao que foi pactuado, ele poderá validamente recusar-se a prestá-los ou rescindir indiretamente o contrato de trabalho, em face do art. 468 c/c art. 483, ambos da CLT.
Mas, em virtude da introdução de modernos sistemas produtivos e de organização empresarial, as empresas verificaram a necessidade de maior aproveitamento das capacidades dos trabalhadores, o que impõe que a regra geral de inalterabilidade funcional seja atenuada gradativamente para que o objeto do contrato de trabalho passe a abranger todas as atividades para as quais o trabalhador está qualificado e ao alcance de suas capacidades. Trata-se da multifuncionalidade.
A doutrina caracteriza a multifuncionalidade como espécie de contrato atípico no aspecto da função, uma vez que neste contrato a função não se encontra definida e delimitada previamente.
Na prática, alguns contratos de trabalho são celebrados com indicação de função genérica ou bem abrangente, como por exemplo: auxiliar geral, dando margem ao empregador exigir do trabalhador diversas tarefas.
Segundo Giseli Ângela Tártara Ho, advogada e mestra em direito do trabalho pela PUC de São Paulo, a multifuncionalidade inserida em um contrato de trabalho originará o que se denomina de contrato multifuncional, que é um contrato aberto no aspecto da função, diversamente da definição clássica do contrato de trabalho, que prevê a contratação para atividade certa e determinada.
Essa alteração funcional não será prejudicial ao trabalhador se as atividades cumuladas tiverem afinidade ou ligação funcional com as que correspondem às funções normais do trabalho e nem impliquem em desvalorização profissional, tampouco redução da retribuição.
Será possível introduzir a multifuncionalidade diretamente no contrato individual de trabalho em curso, mediante aditamento contratual, se houver mútuo consentimento e ausência de prejuízos ao empregado, posto que não há regra legal proibindo-a e o artigo 444 da CLT permite que empregado e empregador estipulem livremente o conteúdo do contrato (e, conseqüentemente a função a ser exercida pelo trabalhador), desde que respeitem as disposições de proteção ao trabalho.
A alteração funcional também poderá ser introduzida mediante negociação coletiva, o que lhe assegura maior legitimidade em face da Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XXVI, reconhecer as convenções e acordos coletivos de trabalho.
Mas apesar de a inserção da multifuncionalidade no contrato de trabalho não ser vedada pela lei, há que se levar em conta os princípios e as normas constitucionais que regem a ordem econômica e financeira sobre a proteção à livre iniciativa, função social da propriedade, busca do pleno emprego, livre concorrência e a valorização do trabalho humano, como leciona Giseli Ângela Tártara Ho.
Logo, sob esse enfoque, não se permite que a multifuncionalidade acarrete a exploração do trabalhador e nem a falta de um salário justo para remunerar as diferentes atividades desempenhadas.
É certo que o exercício de mais de uma função dentro da mesma jornada de trabalho, por força de um único contrato de trabalho, não gera direito à multiplicidade de salários.
Entretanto, se o empregador adota política salarial diferenciada em razão da complexidade das funções executadas pelos seus empregados, entendemos que a introdução da multifuncionalidade no contrato de trabalho deve vir acompanhada de uma melhoria salarial.
Isto porque o acúmulo de funções diferenciadas exige do trabalhador maior responsabilidade, diligência e qualificação técnica e, portanto, para que seja mantido o equilíbrio contratual, o empregador deve retribuir com um acréscimo salarial.
(*) Advogada sócia do escritório Granadeiro Guimarães Advogados.
Fonte: Última Instância, por Aparecida Tokumi Hashimoto, 10.04.2015
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