A autorização em lei para que as empresas possam terceirizar suas atividades principais - as chamadas atividades-fim - como propõe o Projeto de Lei nº 4.330, de 2004 não representará o fim de um dos maiores problemas enfrentados hoje pelas companhias: o grande número de ações trabalhistas contra a prática. O motivo está presente não apenas na interpretação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) - que não está sendo alterada - mas na própria proposta discutida no Congresso.
O texto aprovado esta semana traz uma previsão segundo a qual não pode existir subordinação do empregado terceirizado ao tomador de serviço sob o risco de ficar caracterizado o vínculo empregatício. Isso significa dizer que o trabalhador terceirizado não poderá receber ordens diretas e orientações do tomador de serviços. Essa poderá ser uma brecha, por exemplo, para que o empregado proponha uma ação para pedir o vínculo e a equiparação salarial em relação aos empregados registrados pela companhia.
Atualmente, baseada nos artigos 2º e 3º da CLT, a Justiça do Trabalho reconhece o vínculo de emprego entre trabalhador e empresa se fica constatado que ele cumpria requisitos como habitualidade (comparecer ao menos três vezes por semana ao local de trabalho), subordinação (cumprir ordens e horários) e pessoalidade.
Na avaliação de advogados será muito difícil um trabalhador terceirizado exercer a atividade principal da empresa e não receber qualquer orientação direta da companhia tomadora de serviços. Outro ponto questionável é o projeto dizer que parcela dos empregados poderão ser terceirizados sem indicar o que isso representaria em termos percentuais, por exemplo. "Essa interpretação será subjetiva e a Justiça do Trabalho em uma eventual ação do Ministério Público do Trabalho (MPT) poderá entender que naquele caso existiria uma terceirização excessiva e que precarizaria as condições de trabalho", afirma um advogado que prefere não se identificar.
A posição atual da Justiça do Trabalho é amplamente favorável aos trabalhadores nas discussões de terceirização que tratam das chamadas atividades-fim e meio, cujo pano de fundo é o reconhecimento de vínculo empregatício com o tomador de serviços e o pagamento de todas as verbas salariais que envolvem a discussão, assim como a precarização que poderia ocorrer nesse tipo de relação, com salários menores, por exemplo.
Até julho do ano passado, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tinha 20 mil ações referentes ao tema. Dentre esses processos, há diversas ações civis públicas ajuizadas pelo MPT que, além de pedirem a imediata contratação dos terceirizados, requisitam o pagamento de multa e danos morais coletivos. Uma delas envolve a Cenibra, do setor de celulose. A companhia perdeu em todas as instâncias e foi condenada em R$ 2 milhões. O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) e aguarda julgamento, que deve ser o primeiro sobre a questão na Corte.
A advogada Cássia Pizzotti, sócia da área trabalhista do Demarest Advogados, avalia que o PL regulamenta a terceirização que hoje é praticamente determinada pela interpretação dada à questão pelo TST. No entanto, segundo ela, na prática as discussões judiciais continuarão a existir. "Por esse PL, o que há hoje praticamente não muda e todas as cautelas adotadas pelas empresas deverão ser mantidas", diz.
O procurador e vice-coordenador nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Emprego, João Batista Machado Júnior, afirma que ainda seria prematuro tecer comentários sobre um projeto em trâmite, mas nada impede (aprovado ou não) que continue a existir questionamentos sobre a ilegalidade desses contratos. "Uma lei por si só não evitaria o questionamento", afirma.
O juiz Fábio Ribeiro da Rocha, vice-presidente da Associação dos Juízes do Trabalho da 2ª Região (Amatra-SP) diz que, se o projeto for convertido em lei da forma como está, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) deve questioná-lo no STF. Segundo o magistrado, quase 70% dos processos trabalhistas envolvem terceirização e 80% dos acidentes de trabalho envolvem terceirizadas. "Hoje já temos uma demanda muito alta envolvendo o tema e isso aumentará muito mais, já que vão diminuir as relações de emprego e aumentar os terceirizados", afirma.
Para a advogada Dânia Fiorin Longhi, do Fiorin Longhi, a autorização de contratações para a atividade principal não colocará um fim às discussões judiciais sobre o tema, pois a base de interpretação será sempre a CLT. Ela acredita que o maior problema continuará a ser a precarização com a diferença salarial entre os terceirizados e contratados diretos. A advogada Carla Romar, do Romar Advogados, concorda. "Não sou contra a terceirização, sei que ela é necessária, mas da maneira como está receio que não exista equilíbrio de forças", diz.
Fonte: Valor Econômico, por Zínia Baeta e Adriana Aguiar, 10.04.2015
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