No contrato de trabalho, empregador e empregado devem agir de acordo com os ditames do princípio da boa fé objetiva, princípio esse que pode ser traduzido como lealdade e confiança (artigo 422 do CC). Em termos gerais, como explicou o juiz Tarcísio Correa de Brito, ao julgar um caso que envolveu a matéria na Vara do Trabalho de Cataguases, a boa fé objetiva é uma cláusula geral que impõe às partes o dever de manterem um comportamento marcado pela lealdade, honestidade, cooperação, de modo que uma não lese a legítima confiança depositada pela outra.
No caso analisado pelo julgador, um trabalhador sofreu uma alteração em sua jornada por determinação unilateral de sua empregadora, uma fábrica de tecidos: até julho de 2012 ele cumpria escala de seis dias de trabalho por dois de descanso e a partir dessa data passou a trabalhar na escala de 6×1, na mesma jornada, sem qualquer contraprestação. Para a empregadora, a alteração ocorreu por força das dificuldades financeiras que atravessava, o que a obrigou a extinguir a chamada quarta turma, na qual o trabalhador atuava, para a qual estava previsto em norma coletiva jornadas em turnos de revezamento 7h20min, seis vezes por semana e com dois dias de folga. Assim, com a extinção, os empregados dessa turma foram realocados em outras atividades, agora sujeitos aos turnos regulares de 6×1.
Mas a tese patronal não convenceu o julgador que, refutando os argumentos, explicou ser vedado ao empregador transferir para os empregados os riscos de sua atividade econômica, como dita o princípio da alteridade (artigo 2, §2º, da CLT). Ele ponderou ser inerente ao negócio da empresa a possibilidade de enfrentamento de crises econômicas e adversidades de mercado, razão pela qual os ônus decorrentes da atividade empresarial devem ser por ela suportados. Considerando inegável que a empresa tinha o poder de organizar o setor onde o trabalhador atuava, o magistrado frisou que esse poder deveria ter sido exercido, mas não de modo a causar prejuízo ao empregado, que foi privado de dias de descanso, conforme ajustado em ACT.
Para o julgador, a conduta empresarial afrontou não só os princípios da não alteração contratual lesiva e da alteridade, mas o da boa fé objetiva. “Tecnicamente, em nome da segurança e da confiança, veda-se que um agente, em momentos diferentes, adote comportamentos contraditórios entre si, prejudicando outrem”, esclareceu o juiz. Ele citou ainda, como desdobramento da boa fé objetiva o tu quoque. “Trata-se de uma partícula extraída da célebre frase dita Júlio César ao ser apunhalado, covardemente e de surpresa, por seu filho: tu quoque Brutus filie mi (“até tu Brutos, filho meu”). Assim, o tu quoque, quando aplicado na relação privada, pretende evitar a quebra da confiança pelo comportamento marcado pela surpresa ou ineditismo” , registou o magistrado, concluindo que foi exatamente o que se apurou no caso: “a quebra da confiança, o ineditismo, a prática de um ato inesperado e a falta de lealdade por parte da ré”.
Por essas razões, o julgador condenou a empregadora a indenizar o trabalhador, pagando a ele, como extras, as horas trabalhadas após as folgas semanais regularmente concedidas, a cada seis dias trabalhados, a partir de julho de 2012, de acordo com os cartões de ponto, e devidos reflexos.
A empregadora recorreu da decisão, que ficou mantida pelo TRT mineiro.
( 0011761-04.2016.5.03.0052 RO )
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região Minas Gerais, 27.04.2017
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