Muito se fala na temida demissão por justa causa. O processo desse tipo de demissão é conhecido — uma dispensa sem boa parte dos direitos rescisórios depois de o empregado ter cometido uma falha grave. Mas fique sabendo: também existe o inverso. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê em seu artigo 483 que um funcionário também pode pedir rescisão do contrato após uma falta grave por parte do empregador e sair da empresa com todos os direitos de alguém que é demitido pela companhia sem justa causa. E isso inclui o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) com a multa de 40%.
A prática é conhecida como “rescisão indireta” — ou justa causa do empregador. É como se você “demitisse” a empresa onde trabalha. Assim como a justa causa mais conhecida, ela ocorre só em situações pontuais. Situações constrangedoras, meses sem receber pagamento e até a falta de recolhimento do FGTS pela empresa são alguns dos cenários que podem resultar nesse tipo de rescisão. “É uma modalidade um pouco mais complexa. Vai funcionar como uma justa causa dada pelo empregado no empregador. Embora a iniciativa [de demissão] tenha sido do trabalhador, ainda recebe todas as verbas como se fosse sem justa causa”, diz o advogado Sérgio Batalha Mendes, sócio-fundador do escritório Batalha Advogados Associados. Mas o especialista alerta: “Tem que ser uma falta séria”.
Precisa ficar comprovado que tal falta realmente existiu. Diferentemente da outra justa causa, a conversa não acontece diretamente de empregado a empregador. É uma questão que só se resolve na Justiça. “O funcionário tem, obrigatoriamente, que procurar o Judiciário”, diz a advogada Maria Aparecida Menezes Silva, sócia do escritório Menezes Advogados. Não é um processo simples. Na audiência, o funcionário terá de apresentar provas e testemunhas que comprovem que as práticas da empresa se enquadram entre aquelas que a CLT entende como inadmissíveis.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) destaca que nem todas as situações desagradáveis ao empregado podem ser motivo de rescisão indireta. Em sua página, o órgão dá como exemplo um empregado transferido de São Paulo para Campinas, no interior do estado, após 12 anos de trabalho na capital paulista. Para a Justiça, naquele caso não houve rescisão indireta, já que o contrato de emprego previa a transferência de local de prestação de serviços. Por isso, é bom ficar de olho para saber o que realmente leva à justa causa do empregador. Veja quais são os motivos para uma rescisão indireta, de acordo com a lei trabalhista:
1. Serviços superiores às forças do trabalhador ou que estejam fora de seu contrato. Vale tanto do ponto de vista físico quanto técnico e intelectual. No aspecto físico, é quando o empregador demanda um exercício superior à capacidade do funcionário — como carregar pesos pesados demais constantemente, por exemplo. No lado intelectual, é ser demandado para tarefas que vão além da sua área ou mesmo do cargo. “Quando o superior imediato é demitido e o empregador exige que o funcionário faça as atividades daquele superior, mas sem promovê-lo”, exemplifica Maria Menezes. O funcionário está realizando uma tarefa que não é compatível com a sua função, estabelecida no contrato.
2. Rigor excessivo por parte do empregador e superiores. No ambiente de trabalho, é comum que o chefe seja rigoroso. Afinal, é uma relação hierárquica — o empregador vai dar ordens e chamar a atenção de um funcionário que não siga as orientações. Até aí, tudo bem. Mas não pode haver assédio moral. Se o empregador extrapolar seu comportamento, de modo a constranger o empregado e persegui-lo, é possível classificar o ato como rigor excessivo.
Segundo Maria Menezes, o rigor excessivo é facilmente verificado quando em uma mesma situação envolvendo dois empregados, há punições mais severas para um deles. Exemplo: certo funcionário de uma indústria comete um erro e estraga uma peça e, por consequência, o seu empregador o repreende verbalmente, pedindo que ele tenha mais atenção e cuidado. Aí, outro funcionário comete o mesmo erro e seu empregador o repreende aos gritos e ainda lhe aplica uma suspensão de dois dias. Outro exemplo é quando um funcionário chega atrasado ao trabalho e recebe uma advertência verbal do chefe, enquanto o outro faz o mesmo e é corrigido aos gritos e, ainda, advertido por escrito. Fica claro que há excesso de rigor em relação ao segundo funcionário. Se o trabalhador se sentir perseguido, ele poderá, inclusive, alegar assédio moral e pedir uma indenização.
3. Ser colocado em perigo. É submeter o trabalhador a situações de falta de segurança ou higiene, comprometendo a integridade física, a saúde ou até mesmo a vida do funcionário. Exemplo: trabalhar na construção civil sem os equipamentos adequados, como capacete, correia e andaime. Mas pode ser também fora do ambiente de trabalho: se o empregador exige que o funcionário faça uma entrega em uma região perigosa ou trabalhe dirigindo um carro quebrado, que não teve os freios revisados e pode causar um acidente, a situação se configura.
4. Empresa não cumprir as obrigações estipuladas em contrato de trabalho. É aí que entra o não pagamento do salário durante vários meses consecutivos e o não recolhimento do FGTS e do INSS. Segundo Maria Menezes, este é o caso mais corriqueiro de quem pede a rescisão indireta na Justiça do Trabalho. Novamente, o empregado terá de comprovar a falta grave por parte do empregador. E tem de haver continuidade. “Atrasou dois meses de salário? O Judiciário vai olhar com certo cuidado. Agora, se o salário está atrasado há cinco meses, não deposita o FGTS ou INSS há um ano, aí não tem como. É muito lesivo para o empregado”, diz a advogada.
5. Ato lesivo à honra e boa fama. Pode parecer com o segundo item, mas há diferença. Lá, o tratamento com rigor era diretamente direcionado à pessoa. Aqui, pode ser difamar o funcionário pelas costas, por exemplo. Aplica-se ao próprio empregado e também a sua família. Se o ato do empregador for grave a ponto de lesar a honra do trabalhador e isso é provado no tribunal, o cidadão pode pedir a justa causa do empregador.
6. Ofensa física. Salvo em caso de legítima defesa (própria ou de outras pessoas), o trabalhador pode pedir rescisão indireta se for agredido fisicamente pelo chefe ou por um colega de trabalho. Isso porque o empregador tem a obrigação de zelar pela integridade física dos funcionários dentro da empresa.
7. Redução de trabalho, afetando o salário. É quando o empregador, sem motivo ou negociação prévia, reduz consideravelmente o volume de trabalho de um funcionário horista ou que ganha por comissão, com impacto direto no salário da pessoa. O trabalhador, afinal, programou-se para ganhar aquele salário e está contando com a quantia para pagar suas contas.
8. Desempenhar obrigações legais fora da empresa. É o caso de jovens quando fazem o alistamento militar e são convocados para servir o exército. Eles têm uma obrigação legal incompatível com a as tarefas no serviço. Ou seja, aquele profissional não terá como continuar trabalhando. Mesmo assim têm os seus direitos rescisórios garantidos, uma vez que não seria justo pedir as contas da empresa e sair de mãos abanando.
9. Morte do empregador em uma companhia individual. Em caso de morte do empregador em empresas onde não há sócios e não há como continuar as atividades sem sua presença, os herdeiros têm de pagar os direitos dos funcionários. O trabalhador não pode ficar sem receber. Se não houver herdeiros, é nomeado um representante judicial que ficará responsável por garantir que os trabalhadores sejam pagos com os recursos da companhia.
Fonte: Época Negócios, por Edson Caldas, 29.03.2017
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