Aprovada pela Câmara nessa semana, a lei da terceirização regulamenta a prática e permite que as empresas terceirizem todas as atividades – inclusive as chamadas atividades-fim, a principal atividade da empresa, aquela para a qual a companhia foi criada. Com a aprovação da lei – que depende somente de sanção presidencial –, uma escola poderia terceirizar a contratação de professores. Antes, só era permitida a terceirização de atividades-meio – como limpeza e segurança.
Há muita polêmica em torno dessa medida. De um lado, há quem defenda que a regulamentação trará ganhos de produtividade e segurança jurídica para as empresas. Outros argumentam que a medida aumenta a precarização no mercado de trabalho.
“Há uma confusão muito grande, as pessoas acreditam que o terceirizado é informal, mas não é. O terceirizado tem carteira de trabalho assinada e todos os direitos trabalhistas”, afirma Hélio Zylberstajn, professor da Universidade de São Paulo. A diferença é que o trabalhador terá a carteira assinada pela empresa prestadora de serviços e não mais pela companhia para a qual trabalharia diretamente.
“Só o Brasil tinha essa distinção entre atividade-fim e atividade-meio, e isso impede a criação de cadeias produtivas”, afirma Zylberstajn. Até agora, a própria Justiça não tinha um entendimento uniforme sobre o que distingue atividades-meio de atividades-fim, o que causava insegurança jurídica para as empresas. “Em uma empresa que produz papel, cortar as árvores é uma atividade-meio, ou uma atividade-fim?”, questiona Fernando de Holanda Barbosa Filho, do FGV/Ibre.
A terceirização, dizem os defensores da lei, poderá aumentar a eficiência e produtividade das empresas. Do aumento da produtividade viria a redução de custos. “Em determinadas atividades, pode haver um ganho de produtividade por conta da especialização em determinadas tarefas. Em vez de a empresa ter que fazer ela mesma as atividades em que ela não é boa, ela poderá contratar outra empresa especializada naquela tarefa, que tem know how e experiência em fazer exatamente aquilo”, defende Barbosa Filho. Segundo ele, o principal efeito será o aumento da competitividade das empresas brasileiras.
Há quem discorde. À Agência Brasil, o presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região – São Paulo (TRT-2), Wilson Fernandes, defendeu que a terceirização permite a precarização do trabalho. “Se a empresa terceiriza um trabalho, ela dispensa dez trabalhadores e contrata [por meio de uma empresa terceirizada] outros dez para fazer o trabalho daqueles, e por que ela faz isto? Porque vai sair mais barato para ela. Se vai sair mais barato para ela, de onde sai a diminuição de custo? Do salário do trabalhador, obviamente”, afirmou.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) também critica a lei da terceirização. “Essa proposta é para precarizar ainda mais o trabalho”, afirma João Caires, secretário-geral da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT. Segundo ele, já existe uma regulamentação da terceirização por uma súmula. “Mas agora deram a liberdade total para a empresa funcionar sem nenhum trabalhador contratado”. “Há esse discurso de que vai gerar emprego, mas em vez de gerar emprego melhor, vão criar empregos piores”, diz.
É importante ressaltar que a lei não permite a chamada “pejotização” – quando em vez de contratar o funcionário como CLT, contratam a empresa criada por aquele profissional, que trabalha diretamente na empresa contratante. Isso era, e continua sendo, ilegal. Afinal, nesse caso, há elementos que configuram vínculo empregatício: pessoalidade (apenas aquele profissional pode desempenhar o trabalho), habitualidade (horário de trabalho), subordinação e onerosidade (salário). “Parte das terceirizações são fraudulentas, configuram intermediação de mão de obra”, reconhece Hélio Zylberstajn. “Quando o funcionário trabalha sob a subordinação da empresa contratante, isso é fraude da CLT, que não for mudada”. Isso significa que no caso de uma empresa de segurança, com funcionários terceirizados, o chefe direto da equipe deve pertencer à companhia terceirizada e não à empresa de segurança contratante.
Salário menor
Outro argumento contrário à terceirização é que os salários de terceirizados tendem a ser menores do que os de funcionários contratados. Segundo um estudo publicado pelo Ipea em 2015, assinado por Guilherme Stein, Eduardo Zylberstajn e Hélio Zylberstajn, os trabalhadores terceirizados recebem em média um salário 17% menor do que em caso de contratação direta. Hélio Zylberstajn argumenta, porém, que isso acontece exatamente pelo fato de hoje apenas as atividades-meio serem terceirizadas – normalmente, são cargos de menor qualificação e que dão apoio à empresa ou ao trabalhador que cumpre a chamada atividade-fim. “Quando começarem a terceirizar atividades mais qualificadas, o salário médio vai subir”. afirma.
Por outro lado, os trabalhadores contratados pelas terceirizadas não necessariamente responderão ao mesmo sindicato dos funcionários contratados diretamente. No caso de funcionários de um banco, eles não necessariamente seriam filiados ao Sindicato dos Bancários. Se a empresa se coloca dentro da área de processamento de dados, todos os funcionários ficariam sob esse sindicato – podendo, inclusive, obedecer a outro piso salarial.
Para Leonardo Mazzillo, advogado trabalhista sócio do escritório WFaria Advogados, num primeiro momento, pode haver sim uma diferença de piso salarial desfavorecendo os terceirizados. “No longo prazo, vai haver um rearranjo de poder entre os sindicatos, e nada impede que os terceirizados tenham um piso ainda superior”.
Responsabilidade sobre direitos trabalhistas
Uma mudança importante da lei da terceirização é que ela estipula a responsabilidade subsidiária sobre os direitos trabalhistas. Isso significa que a empresa que contrata os serviços da terceirizada só pode ser responsabilizada pelo pagamento de déficits trabalhistas depois que a empresa terceirizada deixar de pagar a condenação. Isso aconteceria no caso da empresa terceirizada deixar de depositar salários e FGTS, por exemplo. O trabalhador teria de acionar na justiça a empresa terceirizada e não aquela para a qual está prestando serviços.
“O trabalhador terceirizado só pode entrar com uma reclamação na Justiça do Trabalho contra a prestadora de serviço, e apenas se essa empresa não tiver recursos para pagar a condenação, quem vai ser chamada a pagar é a contratante do serviço”, diz Leonardo Mazzillo, advogado trabalhista sócio do escritório WFaria Advogados.
Até agora, o que valia era a chamada responsabilidade solidária – o trabalhador poderia mover uma ação contra as duas empresas simultaneamente. De acordo com Mazzillo, contudo, a mudança deve aumentar em apenas um ou dois meses o tempo de tramitação de uma ação trabalhista – o que seria pouco, comparado com os cinco a seis anos em média que uma ação dessas demora para ser finalizada.
Para a CUT, a responsabilidade subsidiária pode prejudicar muito os trabalhadores, que terão mais dificuldades ao exigir seus direitos trabalhistas na Justiça. “Colocar a responsabilidade em várias empresas pequenas que não têm solidez econômica e que são mal administradas, no fim, a conta fica na mão do trabalhador”, afirma.
Projeto de Lei 4330/2004
O Projeto de Lei 4330/2004 é similar ao que foi aprovado na Câmara, que é de 1998, mas ainda está em tramitação no Congresso Nacional. Ele precisa ser votado pelo Senado e, se aprovado, vai diretamente a sanção presidencial. Mas apensar de tratar também da terceirização, há algumas diferenças importantes. A expectativa é de que o presidente Michel Temer espere a aprovação da outra proposta no Senado para sancionar as duas propostas juntas, mantendo alguns pontos e vetando outros.
“O projeto que tramita no Senado é melhor, é mais completo e traz mais garantias ao trabalhador, como a extensão de uso do refeitório e ambulatório no local de trabalho”, afirma Barbosa Filho.
Para João Caires, secretário-geral da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da Central Única dos Trabalhadores (CUT), o projeto que tramita no Senado é melhor para os trabalhadores por manter a responsabilidade solidária, que traria mais amparo aos trabalhadores.
Fonte: Época Negócios, por Daniela Frabasile, 27.03.2017
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