quinta-feira, 6 de abril de 2017

A nova regra de terceirização no papel. E o que pode acontecer na prática.

A aprovação da nova lei de terceirização, na quarta-feira (22), pela Câmara dos Deputados, levantou muitas dúvidas entre empregados sobre o que acontecerá com suas relações de trabalho no futuro, caso o presidente Michel Temer venha a sancionar o texto.
Parte da incerteza se deve à forma como o tema foi aprovado: a partir de um texto antigo de 1998, que estava parado desde 2002, discutido e votado em duas tardes na Câmara.
É diferente do processo pelo qual passam as propostas de reforma da Previdência e de mudanças trabalhistas, enviadas pelo governo em 2016, que atravessam um processo gradual de discussão no Congresso e na sociedade, com debates em comissões e audiências públicas.
Outro elemento que despertou desconfiança em relação ao texto é a experiência pessoal de quem já foi funcionário terceirizado ou PJ (pessoa jurídica) irregularmente, como forma de burlar a legislação trabalhista, e teme que o projeto aprovado na Câmara tenha liberado essas situações.
O impacto do novo dispositivo, porém, tem mais nuances. A lei aprovada na Câmara permite, sim, a terceirização em qualquer atividade da economia — ao contrário de hoje, onde ela só é admitida em atividades-meio, como vigilância, conservação e limpeza. Mas o texto não altera a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que garante direitos como férias, 13º salário e FGTS nos casos em que houver uma relação de emprego.
O que caracteriza uma relação de emprego
– Pessoalidade: o trabalho é realizado por uma pessoa específica, que não pode ser substituída cotidianamente.
– Habitualidade: o trabalho é realizado de forma constante, e não eventualmente. A Justiça tem entendido que esse requisito é preenchido quando o empregado vai no mínimo três vezes por semana à empresa.
– Onerosidade: o trabalhador recebe um salário por aquele serviço.
– Subordinação: o trabalhador está subordinado a um chefe daquela empresa, de quem recebe ordens e presta contas sobre horário e assiduidade.
No final das contas, o resultado da nova lei dependerá de como ela será aplicada na prática e como a Justiça do Trabalho interpretará as novas regras.
Defensores da regulamentação da terceirização afirmam que ela reduzirá a insegurança jurídica hoje envolvida na prática, pois não há uma definição precisa de quais atividades são atividade-meio e podem ser terceirizadas e quais são atividade-fim, em que deve haver a contratação direta.
A possibilidade de se criar uma maior segurança jurídica, porém, é contestada. “A aplicação da nova lei manterá a insegurança jurídica em outro aspecto: em quais casos o trabalhador terceirizado está numa situação regular ou, na realidade, submetido a uma relação de emprego, pela qual deverá receber os direitos trabalhistas da empresa onde ele exerce suas funções”, afirma o procurador do Trabalho Renan Kalil.
Abaixo, o Nexo preparou um guia sobre o projeto de terceirização aprovado na Câmara dos Deputados em sete pontos centrais:
Uma pessoa contratada via CLT pode ser demitida e recontratada via PJ?
Como funcionaria no papel
O texto aprovado na Câmara não altera a definição da CLT sobre o que é uma relação de emprego. Se uma pessoa estiver trabalhando em uma empresa por mais que três dias por semana, for subordinada a um chefe dessa empresa, a quem deve obedecer e cumprir horários, estiver ganhando um salário para isso, e ter sido contratada em função de suas habilidades e características pessoais, ela tem uma relação de trabalho e não pode ser contratada via PJ.
Um empregado nessas condições que seja demitido e, em seguida, recontratado como PJ pode recorrer à Justiça e pedir o reconhecimento da relação de trabalho, cobrando os respectivos direitos, como 13º salário, férias e FGTS. A palavra final, caso a caso, será do Judiciário.
Quais as possibilidades de distorções
O texto aprovado não estabelece nenhuma vedação explícita à contratação de PJs, e permite a contratação de empresas terceirizadas para prestar serviços “determinados e específicos”.
Uma faculdade particular, por exemplo, pode decidir contratar professores via PJ e alegar que o ensino de um determinado conteúdo se enquadra em um serviço determinado e específico.
O professor nesse caso poderá recorrer à Justiça e tentar reconhecer sua relação de trabalho com a faculdade. Para isso, deverá provar a subordinação, a pessoalidade, a habitualidade e a onerosidade. O entendimento final será da Justiça, que dará razão ao profissional ou à empresa.
O trabalhador continua tendo direito a 13º salário, férias e FGTS?
Como funcionaria no papel
Um trabalhador que preste serviços terceirizados deve ser contratado pela empresa terceirizada com base na CLT, recebendo os respectivos direitos. Quem pagará seu salário e benefícios não é a empresa onde ele estiver efetivamente trabalhando, a tomadora de serviços, mas a empresa prestadora do serviço.
Quais as possibilidades de distorções
A empresa prestadora do serviço pode decidir deixar de pagar os direitos trabalhistas dos trabalhadores terceirizados, e levar essa situação a um limite. É ela que responderá primeiro, na Justiça, em eventuais processos movidos pelos trabalhadores.
A empresa tomadora do serviço só responderá em último caso, na hipótese de a empresa prestadora ser condenada na Justiça e não ter dinheiro para pagar os direitos devidos ao trabalhador. A cobrança das dívidas, nesse caso, poderá levar anos.
Qual a diferença de ser terceirizado ou ser contratado diretamente?
Como funcionaria no papel
Um funcionário terceirizado é subordinado à empresa que o contratou, e não à empresa que contratou a prestadora de serviços.
Como exemplo, considere o funcionário de uma empresa que pinta automóveis, contratada por uma montadora de veículos para pintar todos os carros que ela produz. Esse funcionário não pode receber ordens de um gerente da montadora, nem ter seus horários de entrada e saída controlados por ele. Ele é subordinado à empresa que pinta automóveis.
Se for comprovado que esse funcionário é, na prática, subordinado ao gerente da montadora, ele pode tentar pedir à Justiça o reconhecimento do vínculo de trabalho.
Quais as possibilidades de distorções
O funcionário da empresa que pinta automóveis não tem direito a receber o mesmo salário nem os mesmos benefícios dos funcionários contratados diretamente pela montadora. A lei aprovada na Câmara, que aguarda sanção de Temer, não garante os mesmos direitos e benefícios aos trabalhadores terceirizados e aos contratados diretamente, mesmo que exerçam funções no mesmo local.
Eles também serão filiados a sindicatos distintos. Há estudos que apontam que os trabalhadores terceirizados ganham menos e trabalham mais horas do que os contratados diretamente.
Quem responde na Justiça se os direitos trabalhistas não forem cumpridos?
Como funcionaria no papel
No exemplo acima, se o funcionário da empresa que pinta automóveis não receber suas férias, 13º salário ou FGTS, ele deverá processar a empresa terceirizada na Justiça do Trabalho.
Em último caso, se a empresa terceirizada tiver falido ou não pagar o que lhe deve após ordem judicial, a montadora de automóveis deverá pagar o devido. Essa já era a regra em vigor antes da aprovação da nova lei.
Quais as possibilidades de distorções
Empresas terceirizadas podem decidir deixar de pagar os direitos trabalhistas dos empregados terceirizados e, em seguida, falir. Os trabalhadores, então, terão que enfrentar um processo para cobrar os direitos trabalhistas das empresas tomadoras do serviço, onde eles exerceram suas funções, o que pode levar muito tempo para ser concluído.
A terceirização será adotada em todos os setores da economia?
Como funcionaria no papel
Não é possível afirmar. Dependerá da decisão da empresa, se vale a pena ou não contratar terceirizados.
O dono de uma padaria, por exemplo, poderá contratar uma empresa que faz pães, que tenha padeiros terceirados. Os funcionários terceirizados poderão trabalhar no espaço físico da padaria, mas não poderão, em tese, receber ordens do dono da padaria, nem ter seu horário controlado por ele.
Já para empresas do setor de telecomunicações, por exemplo, a terceirização do serviço de instalação de telefones — hoje já terceirizado na prática — pode fazer sentido. Assim como bancos podem achar vantajoso terceirizar a cobrança de dívidas de clientes.
Quais as possibilidades de distorções
No caso dos padeiros, o dono da padaria pode decidir contratá-los de forma terceirizada, por meio de uma outra empresa prestadora de serviços. No cotidiano, poderá decidir dar ordens ou cobrar os horários dos padeiros.
Esses padeiros terão, então, que recorrer à Justiça para pedir o reconhecimento do vínculo trabalhista.
 As novas regras já estão valendo?
Não, Temer ainda precisa sancionar o texto aprovado pela Câmara para que ele entre em vigor. O prazo final para sanção é o dia 12 de abril de 2017. Ele poderá sancionar o texto na íntegra ou apenas trechos.
Há um outro projeto que define regras sobre terceirização em trâmite no Senado, que garante maior proteção aos trabalhadores. Se esse texto for aprovado antes de 12 de abril, Temer poderá sancionar trechos dos dois projetos, buscando um resultado intermediário.
Contudo, não é certo que o projeto do Senado seja aprovado a tempo dessa solução. Além disso, há representantes de empresários defendendo que Temer sancione somente o texto aprovado na Câmara, na íntegra.
Haverá questionamentos jurídicos à nova regra?
Sim. A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) já anunciou que irá recorrer ao Supremo Tribunal Federal caso o texto aprovado pela Câmara seja sancionado na íntegra por Temer. O PSOL já afirmou que fará o mesmo.
A palavra final sobre a constitucionalidade da nova lei, e sua aplicação nos casos concretos, será do Judiciário.

Fonte: Nexo Jornal, por Bruno Lupion, 28.03.2017

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