A gerente de atendimento Maria Celeste e a arquiteta Aline Vicedomini vão ao trabalho juntas, todos os dias. Mas não são vizinhas ou fazem parte de um programa de carona solidária. Elas são mãe e filha, além de funcionárias da mesma empresa. “No trajeto para o escritório, falamos sobre nossas experiências do dia a dia e posso aconselhá-la sobre atitudes no trabalho”, diz Celeste, que indicou a filha para o cargo no início do ano.
As duas profissionais são exemplos de uma prática da área de recursos humanos de grandes empresas que permite a contratação de parentes de colaboradores. Na contramão de políticas de admissão tradicionais, que proíbem vínculos familiares nas organizações, alguns grupos incentivam o modelo.
As diretorias acreditam que, quando os funcionários têm familiares trabalhando na mesma empresa, os índices de engajamento e retenção aumentam, assim como a preocupação em bater metas e entregar resultados. Para efetivar a contratação, no entanto, as companhias exigem que o perfil técnico para a vaga seja preenchido e não permitem que o candidato tenha um integrante da família como chefe ou assuma um posto com relações de interesse com o parente. Em algumas organizações, a participação de colaboradores com familiares chega a 10% do quadro.
No grupo NotreDame Intermédica, onde a família Vicedomini cumpre expediente, a prática é adotada há pelo menos uma década, segundo o presidente Irlau Machado Filho. “Nos processos de admissão, já informamos aos candidatos que podem indicar parentes para vagas em aberto”, diz. Cerca de 5% do quadro de sete mil colaboradores têm familiares na empresa.
Machado explica que essa abertura demonstra acolhimento da companhia para o funcionário e sua família, além de gerar um ambiente de confiança e compromisso. “A política de contratação é igual para todos. Deve-se ter o currículo esperado para ocupar a posição desejada.” Um dos únicos critérios usados na admissão é que funcionários relacionados não exerçam subordinação direta.
Maria Celeste Vicedomini, há 22 anos na empresa, afirma que a admissão da filha lhe deu mais tranquilidade para trabalhar. “Não tenho mais uma preocupação em relação à carreira dela e aumentei o entusiasmo e a gratidão com a companhia”, diz. “Procuro melhorar minha performance profissional, pois sei que sou uma referência para a Aline.”
Daniela Ribeiro, gerente sênior da consultoria de recrutamento Robert Half, afirma que as companhias que incentivam a contratação consanguínea acreditam que os valores de pessoas de uma mesma família são similares e que isso pode ajudar na formação de uma cultura organizacional forte. “É importante apenas que os critérios de admissão sejam exatamente os mesmos para todos, com ou sem parentes, e que a triagem da organização valorize competências técnicas.”
Para Claudemir Turquetti, gerente de desenvolvimento humano e organizacional da JSL, da área de logística, é fácil perceber a mudança no comportamento dos colaboradores que encontram parentes nos corredores. “O impacto no ambiente de trabalho é positivo e estimula a retenção do quadro”, diz.
A ação começou na JSL em janeiro de 2010, com a implantação de uma nova área, chamada de Retenção e Valorização de Gente, que logo instituiu uma política de contratação de parentes. Com 25 mil funcionários, a companhia tem mais de 700 colaboradores com familiares na folha. No último ano, contratou 393 parentes. O programa de aprendizes, em que jovens recebem treinamento para qualificação profissional, também é voltado às famílias dos empregados.
O objetivo ao dar prioridade a esse tipo de admissão, segundo Turquetti, é aproximar mais a empresa dos núcleos familiares, reter as equipes e diminuir os índices de rotatividade e absenteísmo – um desafio permanente no setor de prestação de serviços. “Nenhum candidato será contratado para uma posição em que um membro da família seja responsável por sua supervisão ou que influencie na relação de trabalho”, ressalta.
O gerente de projetos Márcio Adriano Nascimento Cordeiro, há 16 anos na JSL, vai receber um irmão, pela segunda vez, na empresa. Depois de atuar no grupo entre 2005 e 2008, o operador de rastreamento Flávio Augusto está sendo readmitido. “Ele já conhece o perfil da casa. Tem vontade de crescer profissionalmente e sabe, pelo meu exemplo, que a empresa oferece condições para isso”, diz Cordeiro, que foi contratado como auxiliar financeiro e já ocupou cargos como assistente, gerente comercial e gerente de riscos, antes da atual função.
Guilherme Françolin, sócio-fundador da consultoria de engajamento Santo Caos, afirma que é vantajoso para os funcionários conviverem com pessoas próximas no ambiente de trabalho. “Fica mais fácil conhecer a rotina do outro e dar apoio à carreira”, diz. Se os parentes trabalham em departamentos diferentes, a orientação do especialista é reforçar ações de compliance para não haver vazamentos de informações sigilosas e preparar a equipe existente com o intuito de evitar comentários sobre possíveis vantagens criadas pelo parentesco.
Para as organizações que planejam implementar a ideia, Françolin enfatiza que é preciso conhecer o perfil dos funcionários da casa. “Há casos em que os times não estão preparados para a novidade ou existe uma cultura de competitividade que pode dificultar a gestão de pessoas com parentes”, diz.
Na multinacional Royal Canin, fabricante de alimentos para cães e gatos, nunca houve restrições para empregar familiares, segundo a diretora de recursos humanos Patrícia Nicieza. “Nossa operação fabril no Brasil começou em Descalvado, no interior de São Paulo e, na época, dar oportunidade a um parente seria aumentar a possibilidade de contratar profissionais capacitados na região”, afirma.
Com 13 fábricas no mundo e operações em 92 países, a marca, parte do grupo Mars, tem 300 funcionários diretos em São Paulo e no Rio de Janeiro. Quando há necessidade de buscar um profissional no mercado para preencher uma posição, Patrícia diz que os funcionários são avisados, por ferramentas de comunicação interna, e podem sugerir um familiar para a seleção.
Atualmente são 30 colaboradores com parentes na empresa, ou 10% do quadro total. “A meta é não restringir a contratação de um talento que teria como possível barreira um laço familiar no escritório”, diz. A intenção da companhia é reforçar a política, especialmente nas unidades de Campinas (SP) e do Rio de Janeiro (RJ).
Algumas precauções podem evitar problemas.
É preciso tomar algumas precauções antes de juntar funcionários e seus parentes no mesmo ambiente de trabalho. Especialistas em recursos humanos aconselham, por exemplo, evitar a contratação para uma mesma linha de hierarquia ou entregar cargos com paridade de funções.
“Às vezes, os familiares podem influenciar negativamente o ambiente profissional ou causar um mal-estar por mostrarem uma sintonia maior ante os demais colegas”, diz Guilherme Françolin, sócio-fundador da consultoria de engajamento Santo Caos. “As tensões do escritório também podem ser transportadas para casa e gerar impactos futuros na organização.”
Por outro lado, o especialista observa que ter familiares por perto beneficia os executivos que fazem muitas viagens de negócios ou trabalham em horários fora do padrão comercial, com expedientes de madrugada, nos fins de semana ou feriados. “Fazer com que o restante da família entenda a entrega do profissional é mais fácil quando outros membros trabalham da mesma empresa”, diz.
Guilherme Kauffmann, executivo de contas do LinkedIn no Brasil, conta que indicou o irmão Fernando para uma posição, há três anos. “Como sempre fomos próximos e nos preocupamos um com o outro, enxerguei uma oportunidade de carreira e o chamei para concorrer à vaga”, lembra. “Hoje, estamos sempre nos ajudando.” A rede social focada em contatos profissionais, com 140 colaboradores no Brasil, permite a contratação de parentes desde 2011, quando inaugurou sede no país.
Antes do LinkedIn, os irmãos Kauffman já haviam trabalhado juntos, como sócios, em uma empresa própria e, depois, em uma multinacional. “Ele é mais uma pessoa na empresa em que posso confiar 100%”, diz Fernando, também executivo de contas. “Durante a semana, quando podemos, almoçamos juntos com os nossos pais e, no escritório, trocamos ideias sobre a profissão.”
Rosmari Capra-Sales, diretora de tributos e ética da L’Oréal Brasil, multinacional do ramo de beleza com cerca de três mil funcionários no país, diz que a admissão de pessoas relacionadas a outros funcionários só deve ser evitada quando houver conflito de interesses dentro da corporação.
“Observamos critérios como questões de hierarquia ou a paridade de funções”, diz. Se isso acontecer, a L’Oréal busca alternativas em outras divisões e propõe o deslocamento dos colaboradores. “Não vamos perder um talento pelo fato de um parente já trabalhar na empresa.”
Fonte: Valor Econômico, por Jacilio Saraiva, 10.12.2015
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