sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Regras do seguro-desemprego devem mudar?

SIM.

Minimizar a alta rotatividade do comércio.

Por Jaime Vasconcellos (*)

Dentre as mudanças propostas pela medida provisória nº 665/14, que altera a lei que regula o programa do seguro-desemprego, uma que deve ter impacto significativo para as empresas do varejo é o aumento do período de trabalho exigido para que o trabalhador peça pela primeira vez o seguro-desemprego.

Antes, para ter acesso ao benefício pela primeira vez, o trabalhador precisava ter trabalhado por apenas seis meses consecutivos. Agora, o prazo passou a ser três vezes maior, ou seja, de 18 meses.

No caso do trabalhador que está fazendo a segunda solicitação, o prazo passou para 12 meses, enquanto, no caso da terceira solicitação, o prazo ficou em seis meses.

As mudanças vêm ao encontro de duas importantes necessidades. A primeira é o ajuste nas contas públicas. A economia gerada com as novas regras do seguro-desemprego (que, somada às regras mais rígidas impostas à concessão de outros benefícios previdenciários e trabalhistas, devem chegar a R$ 18 bilhões por ano) dá claros sinais da inclinação e dos principais objetivos da nova equipe econômica, mais preocupada com o equilíbrio fiscal.

Ao mesmo tempo, ela tem o poder de minimizar uma das realidades mais corrosivas à economia –em especial a alguns setores, como o comércio–, que é a alta taxa de rotatividade da mão de obra.

Ao anunciar a medida, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, disse que as limitações à concessão dos programas serviriam para "corrigir excessos e evitar distorções".

De fato, a facilidade de acesso ao seguro-desemprego, somada ao cenário de pleno emprego no mercado de trabalho, criava incentivos para o aumento da rotatividade da mão de obra, especialmente no caso de trabalhadores menos qualificados e com menores salários, exatamente o caso da maior parte da mão de obra do setor de varejo.

Segundo a Pesquisa do Emprego no Comércio Varejista da região metropolitana de São Paulo, desenvolvida pela FecomercioSP com base nos dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho), em 2014, a taxa de rotatividade média da mão de obra no varejo foi de 4,7%. Isso quer dizer que, todo o mês, em média, a cada 20 funcionários o empresário do varejo precisa repor 1.

Considerando agora dados do Estado de São Paulo, o comércio é o terceiro setor com maior rotatividade. Em 2014, a rotatividade média mensal foi de 4,3%. É como se em quase dois anos o setor comercial paulista passasse por uma renovação total de seus funcionários.

No mesmo período, construção civil e agropecuária atingiram taxas médias mensais de 6,7% e 4,5%, respectivamente. Nesses casos, contudo, a sazonalidade é uma característica intrínseca aos setores, de modo que a intensa movimentação de trabalhadores também é uma consequência endêmica a eles.

A alta rotatividade implica altos custos às empresas. São custos para recrutamento e seleção, bem como custos administrativos para admissão, treinamentos e integração e para desligamentos.

Principalmente aquela rotatividade proveniente da cultura de desligamento sem justa causa, mesmo em casos nos quais o próprio trabalhador pede demissão, possibilitando, assim, seu acesso ao seguro-desemprego.

Mesmo não havendo estatísticas do quanto isso ocorre, entre 2010 e 2014, no comércio do Estado de São Paulo, o desligamento sem justa causa manteve média anual de 66,4% do total de desligamentos.

Qualquer medida que busque melhor saúde das contas públicas sem aumento de impostos já seria positiva nesse momento. Uma medida que, além dessa característica, pode corrigir distorções e minimizar uma hostil alta rotatividade é, portanto, mais do que bem-vinda.

(*) Jaime Vasconcellos, 26, é assessor econômico da FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo).



NÃO.

Retrocesso dos direitos trabalhistas.

Por Luiz Carlos Motta (*)

Anunciadas no final do ano passado, as medidas provisórias nº 664 e nº 665 dificultam o acesso à concessão de benefícios trabalhistas fundamentais para a segurança financeira do trabalhador e de seus dependentes. São afetados pelas medidas direitos como abono salarial, seguro-desemprego, pensão por morte e auxílio-doença.

Se aprovadas pelo Congresso Nacional, as novas regras terão um impacto maior exatamente nas classes que mais necessitam desse amparo.

A mudança no seguro-desemprego, que torna obrigatórios 18 meses de trabalho anteriores à sua primeira solicitação, por exemplo, pode ser um golpe na estabilidade econômica dos trabalhadores que estão começando suas carreiras.

Podemos utilizar como exemplo a categoria comerciária, que é predominantemente composta por jovens –cerca de 28% dos comerciários têm de 18 a 24 anos e 19% estão entre 25 e 29 anos.

Os jovens do comércio, de maneira geral, estão em seu primeiro emprego, buscando estabilidade e independência financeira, seja para arcarem com estudos e especializações ou mesmo para ajudar no sustento das famílias.

Em uma realidade econômica como a nossa, com alta inflação e um risco de desemprego elevado, esses trabalhadores são os mais afetados pela mudança no benefício.

Estudo do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), constatou que, em 2013, um total de 47,2% dos desligamentos se deram ou ocorreram por motivo qualificado como "sem justa causa" por iniciativa do empregador. A Relação Anual de Informações Sociais de 2012, por sua vez, identificou uma taxa de rotatividade de emprego global no país da ordem de 64%.

Além do seguro-desemprego, outro exemplo do efeito devastador dessas mudanças na segurança financeira é a pensão por morte, que afeta diretamente a família do trabalhador. Antes fixado em 100% do salário do contribuinte, o novo cálculo tem como base apenas 50% desse valor, com adicionais de 10% para cada dependente, além de estipular um período de "carência" para que o contribuinte e seus familiares tenham direito ao auxílio.

O retrocesso significa menos segurança financeira para os dependentes do trabalhador, inclusive no caso de uma fatalidade.

Perante as reações negativas da população e entidades de classe, ministros chegaram a se justificar argumentando que as mudanças são benéficas aos trabalhadores por corrigirem distorções e regalias, o que não é verdade.

Tentando resolver problemas de ordem econômica, o governo apela para direitos trabalhistas em vez de realizar mudanças estruturais que deveriam vir antes dessas medidas, que são manobras econômicas que colocam em xeque a população mais necessitada.

Questões como os sistemas de ingresso no mercado de trabalho, desenvolvimento e qualificação profissionais e até melhores regulações do mercado de trabalho são apenas alguns dos exemplos possíveis de mudanças positivas para o Brasil que deveriam estar em pauta, muito mais importantes do que as medidas que ceifam os direitos do trabalhador e contribuem com o sentimento de instabilidade financeira.

O governo brasileiro está cercado de diversos problemas econômicos que devem ser enfrentados urgentemente, mas não é mexendo dessa forma em direitos trabalhistas que esses problemas serão resolvidos. Antes, cabe ao Estado amparar o trabalhador em momentos de crise, garantindo a estabilidade financeira que é seu direito.

(*) Luiz Carlos Motta, 55, é presidente da Fecomerciários (Federação dos Empregados no Comércio do Estado de São Paulo) e da UGT-SP (União Geral dos Trabalhadores do Estado de São Paulo).



Fonte: Folha de São Paulo, 15.02.2015

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