Nem sempre o machismo no ambiente de trabalho é escancarado, como em um caso de assédio moral ou sexual. Às vezes, pode acontecer de forma sutil em situações do cotidiano no escritório. É sobre isso que fala a jornalista norte-americana Jessica Bennett, autora do livro “Feminist Fight Club – An Office Survivor Manual For a Sexist Workplace” (Clube da Luta Feminista – Manual de Sobrevivência no Escritório para Ambientes de Trabalho Sexistas), inédito no Brasil.
“Durante muito tempo eu imaginei que o problema era comigo, mas conversando com outras mulheres eu percebi que o problema não era individual, mas sistêmico, coletivo”, diz Bennett. “E, se é sistêmico, nós podemos lutar contra ele juntas.”
O UOL conversou com Bennett e com a coordenadora do Grupo de Estudos de Gênero e Raça da FEA/USP, Itali Collini; com Lyanna Bittencourt, diretora executiva da consultoria grupo Bittencourt; e a juíza do trabalho Elinay Melo.
A partir das entrevistas, foram identificadas as situações mais frequentes de machismo no trabalho e como as mulheres devem enfrentá-las.
1) Ser interrompida ao falar
As mulheres tendem a ser interrompidas desnecessariamente mais vezes que os homens quando estão falando, tanto por homens quanto por outras mulheres, segundo um estudo feito pela pesquisadora Adrienne Hancock, da Universidade George Washington.
Nem personalidades famosas escapam desse comportamento, conhecido como “manterrupting”. Por exemplo, a candidata democrata à Presidência dos Estados Unidos, Hillary Clinton, foi interrompida 51 vezes pelo candidato republicano, Donald Trump, no debate realizado em 26 de setembro, segundo levantamento do site de notícias “Vox”. Trump foi interrompido 17 vezes.
O que fazer? Quando for interrompida, a mulher deve continuar falando com o mesmo tom de voz, como se não tivesse percebido, ou dizer frases como “me deixe terminar minha fala” ou “espere que eu conclua meu raciocínio”, diz Collini.
Se outras mulheres do mesmo grupo notarem o mesmo problema, é possível criar uma “rede de apoio”, sugerem Bittencourt e Bennett. Quando uma for interrompida, outra pode chamar a atenção, dizendo “Ela ainda não terminou de falar”, por exemplo.
2) Receber explicações óbvias
Outra situação típica de machismo no trabalho, segundo Bennett: um homem parte do pressuposto que a mulher não entende de um tema simples e óbvio e decide explicar –sem que ela tenha pedido. Pode acontecer também no caso de um leigo tentando ensinar a uma mulher um assunto sobre o qual ela é especialista.
Conhecido como “mansplaining”, o comportamento é descrito no livro “Men Explain Things to me” (Homens Explicam Coisas para Mim), de Rebecca Solnit. Solnit conta que um homem passou uma festa inteira falando sobre um livro que “ela deveria ler”, sem dar-lhe a chance de dizer que, na verdade, ela era a autora.
O que fazer? A mulher deve deixar claro que já conhece o assunto, sugere Collini. Se for especialista naquele tema, deve dizer o que estudou e mostrar os resultados de sua pesquisa, “para não ficar apenas no argumento de autoridade”, sugere a especialista.
3) Ouvir piadas sobre TPM
Fazer piadas sobre TPM (tensão pré-menstrual) quando uma mulher age de forma mais assertiva no trabalho também pode ser considerado machismo. Frases como “ela deve estar naqueles dias” embutem a ideia de que os hormônios fazem as mulheres serem menos racionais que os homens, segundo as especialistas.
“Não é justo, mas acontece: homens ganham status quando agem de forma agressiva. São vistos como apaixonados pelo trabalho. Já mulheres que agem da mesma maneira perdem status e são vistas como loucas”, diz Bennett.
O que fazer? Uma saída, segundo Bennett, é a profissional enfatizar por que está brava: porque fulano deixou de entregar um relatório no prazo ou beltrano não cumpriu uma obrigação, por exemplo. “A ideia é mostrar que não está dando um ‘chilique’. Alguém fez besteira e isso está afetando seu trabalho”, diz a jornalista.
4) Tratá-la como assistente (se você não é)
Outra situação que pode ser considerada machista é pedir a uma mulher, por exemplo, para servir café ou tirar xerox, mesmo isso não estando nas atribuições de seu cargo. Segundo as especialistas, alguns homens presumem que cabem às mulheres funções de assistente ou de secretária, ou que o trabalho delas é menos importante que o deles.
O que fazer? A mulher deve dizer que aquela tarefa não faz parte de seu trabalho, sugere Collini. “Mesmo que não se importe de tirar o xerox, deixe claro que o faz por gentileza, não por obrigação”.
Bennett menciona em seu livro um exemplo dado pela psicóloga organizacional Katharine O’Brien: “Se pedirem para você ficar responsável por tomar notas em uma reunião, por exemplo, diga que não o fará porque essa tarefa coloca as mulheres numa posição de subordinação –por terem que tomar notas, e não falar.”
5) Ouvir comentários negativos sobre gravidez e maternidade
Outra situação machista que pode acontecer no ambiente de trabalho é colegas ou chefes dizerem que mulheres grávidas ou mães são preguiçosas e/ou trabalham menos. Segundo a juíza do trabalho Elinay Melo, se esse tipo de comentário for feito repetidamente na presença de funcionárias gestantes ou mães pode até ser caracterizado como assédio moral. “Elas podem procurar a Justiça do Trabalho, além do sindicato da categoria.”
O que fazer? Ainda que o comentário negativo seja feito uma única vez, a profissional pode responder que, mesmo sendo mãe, continua comprometida com o trabalho. Se estiver grávida, pode pedir para marcar uma reunião com seu chefe para tratar de seus objetivos na carreira quando voltar da licença-maternidade, sugere Bennett.
6) Ter ideias ‘roubadas’
Outra situação comum no escritório, segundo Collini: uma profissional apresenta uma ideia em uma reunião, mas é ignorada; depois, um colega é aplaudido ao apresentar a mesma ideia –e não diz que, na verdade, a autoria foi de sua colega.
O que fazer? A mulher deve apontar que foi ela quem deu a ideia pela primeira vez, usando frases como “Obrigada por apoiar a minha a ideia” ou “Que bom que você concorda comigo”.
Uma reportagem publicada pelo jornal “The Washington Post” conta que mulheres da equipe do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, adotaram uma estratégia chamada de “amplificação”. Quando uma profissional dá uma ideia durante uma reunião, as outras repetem-na dando crédito à autora. Essa prática, segundo a reportagem, força os homens presentes a reconhecerem a contribuição feita pelas mulheres à discussão e reduz as chances de que eles tentem se apropriar das ideias delas.
Fonte: UOL Economia, por Mariana Bomfim, 06.10.2016
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