domingo, 9 de outubro de 2016

A jurisprudência, a reforma trabalhista e o fim da unicidade sindical.

As recentes manifestações do Tribunal Superior do Trabalho em relação aos efeitos da negociação coletiva e à representação sindical no Brasil e que procuram justificar a prevalência do legislado em detrimento do negociado, opondo-se ao que o Supremo Tribunal Federal tem decidido, nos remete, necessariamente, à reflexão de que nosso modelo sindical está nos estertores de uma fase porque é incapaz de dar às normas coletivas conteúdo jurídico eficaz e válido.
Se as normas coletivas negociadas devem ser revistas pelo judiciário porque os sindicatos são frágeis e pouco representativos, devemos rever com urgência a limitação legal imposta para a liberdade sindical que, na forma como está, contraria o exercício das liberdades civis, direito básico de aperfeiçoamento democrático de uma sociedade plúrima com instituições eficientes e responsáveis.
Que reação teríamos se outros sindicatos fossem formados concorrendo com os atuais reconhecidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego?
A liberdade sindical é um direito individual, garantido constitucionalmente, assegurada aos que desejam manifestá-la coletivamente por meio de associação profissional ou sindical, princípio este consagrado no artigo 8º da Constituição Federal e como direito individual está atrelada ao exercício democrático de direitos civis e políticos, substrato de uma sociedade que reconhece aos cidadãos a livre manifestação da diversidade cultural e ideológica.
Ao trilhar a garantia da liberdade sindical o constituinte de 1988 a protegeu contra o autoritarismo: impediu a intervenção do Estado; proibiu lei que estabelecesse condições para formação de sindicatos; e, no nível individual, deu à liberdade de associação sindical o direito de não se filiar e direito de se filiar. Mas não impediu que outros sindicatos fossem formados pelos trabalhadores, estabelecendo critério de representação por base territorial, sem dizer expressamente, mas que pressupõe a legitimidade na atuação sindical.
Todavia, na prática, manteve o vínculo jurídico de representação na unicidade sindical, fundamentada na contribuição sindical obrigatória para manter a estrutura confederativa. Paradoxalmente, aponta para liberdade sindical e se fundamenta na possível habilitação de recebimento de contribuição sindical como vínculo jurídico de representatividade.
A realidade vem demonstrando, contudo, que esta estrutura monolítica do sindicalismo brasileiro não se sustenta e a jurisprudência mais recente vem confirmando que a organização sindical necessita de ressonância e legitimidade para que suas negociações adquiram valor jurídico. O rompimento dessa estrutura passa pela revisão da forma de custeio sindical e, neste aspecto, prevalece a confusão entre a necessidade de sustentação econômica de muitos sindicatos e que não teriam como se sustentar sem a contribuição sindical (com raras exceções) com os efeitos das negociações coletivas.
Trata-se de argumento frágil e contraditório porque não é isto que se busca na representação sindical que deveria ser sustentada com aporte econômico dos trabalhadores interessados e não de modo compulsório com benefício de assistencialismo exclusivo aos sócios. A adesão espontânea plúrima, sem identificação de categorias, poderia servir como modelo de fortalecimentos das decisões manifestadas pela autonomia da vontade privada coletiva. Aliás, neste aspecto, os acordos coletivos celebrados, portanto, em nível de empresa com os empregados não se apegam a categorias e os efeitos atingem todos os trabalhadores de forma indiscriminada.
De fato, os sindicatos se dizem representativos porque têm este reconhecimento com a outorga do código sindical, espécie de alvará para exigir pagamento de contribuição sindical dos integrantes da categoria e habilitar-se para o recebimentos dos valores vertidos aos cofres do sindicato. Este elo jurídico parece chegou no seu limite de tolerância porque é contra a vontade política dos representados que talvez preferissem organizações mais legítimas. Convém observar que a Constituição Federal não impede, repita-se, em respeito à liberdade de associação profissional, que outras entidades sindicais, na mesma base territorial, representando a mesma categoria, constituam-se de modo legítimo.
Portanto, não há impedimento legal para a formação de sindicatos que espelhem a diversidade ideológica dos trabalhadores. Ao contrário, a Constituição Federal, artigo 8º, II, assegura a formação de associação profissional sem restrições quanto ao exercício do direito individual da liberdade sindical.
A Lei 11.648/2010, que dispôs sobre o reconhecimento das centrais sindicais, deu a elas representatividade dos trabalhadores por meio dos sindicatos e que lhes atribui 10% da parte da cota sindical da Conta Emprego e Salário, revela o paradoxo do nosso sindicalismo e a justificativa de que o modelo da unicidade já teria terminado.
Primeiro, as centrais sindicais entraram de modo oportunista e político na preservação de contribuição compulsória para sua sustentação e, depois, foi imposto aos trabalhadores a cotização de fins ideológicos, sem consulta se é assim que desejam, ficando tudo a critério a cúpula sindical.
Uma verdadeira apropriação econômica para sustentação de ideologias, sem que o contribuinte tenha tido a oportunidade de escolher. Seria o mesmo que exigir recolhimento de contribuição para manutenção de partido político ou de uma seita religiosa sem que as pessoas pudessem escolher. Certamente há algo de errado nisto! E os paradoxos do modelo não terminam.
A Lei 11.648 está admitindo o pluralismo ideológico de cúpula pelas Centrais. A base que sustenta essa corrente ideológica, portanto os trabalhadores, custeia sem ter opção de escolha. Desta forma, levando o modelo para o nível de negociações coletivas pelas Centrais, se pudesse faze-lo, viveríamos o pluralismo sindical deformado na base, onde os trabalhadores mais intensamente sentem a necessária adequação de seus interesses e deverão respeitar a unicidade.
Então, já que se comenta tanto em reforma trabalhista e que as negociações coletivas levadas a efeito pelas atuais entidade sindicais não são juridicamente válidas pelo reconhecimento explícito de sua fragilidade, talvez tenha chegado a hora de privilegiar o direito à liberdade sindical, mediante formação de outras entidades sindicais que, mesmo sem a contribuição sindical, poderiam, por absoluta legitimidade de representação desde sua criação, atuar em negociações coletivas, fazendo prevalecer princípios básicos, inseridos nas Convenções 87 e 98 da Organização Internacional do Trabalho.
Finalmente e em resumo, consideramos que a unicidade sindical de que trata a Constituição Federal não impede a criação de mais de um sindicato na mesma base territorial; a autonomia negocial e inserção na estrutura sindical das Centrais Sindicais autoriza a pluralidade sindical na base; o desvio de contribuição sindical às Centrais Sindicais se trata de apropriação ilegal para manutenção de eventual ideologia sindical sem relação direta com os contribuintes; a legitimidade sindical não se faz pela contribuição sindical mas pela adesão voluntária de trabalhadores aos sindicatos. Cabe aos trabalhadores a busca de uma relação verdadeira com a entidade sindical que o representa com a formação de outras entidades sindicais; os empregadores terão de conviver com o pluralismo sindical e identificar nos locais de trabalho os verdadeiros interlocutores para as negociações coletivas.
(*) Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, por Paulo Sergio João (*), 07.10.2016

Nenhum comentário:

Postar um comentário