terça-feira, 2 de maio de 2017

Sugestões para a Lei de Recuperação Judicial

Com a publicação da portaria MF 467, de 16/12/2016, o Ministério da Fazenda abriu caminho para se discutir mudanças na Lei nº 11.101/2005 que rege as falências e recuperações judiciais. A iniciativa é oportuna. A atual legislação entrou em vigor em 2005, foi uma reforma necessária que trouxe benefícios para as partes envolvidas. Com mudanças no cenário econômico e jurídico, agora é preciso fazer alterações para aprimorar a lei e ajustá-la à nova realidade.

O assunto abrange temas distintos e muitas particularidades. É recomendável focar a revisão em três pontos: (1) empréstimos com garantias de alienação/cessão fiduciária, (2) dívidas fiscais; e (3) atuação do Judiciário em relação ao tema.

No primeiro, é preciso lembrar que a classificação dos créditos sujeitos à recuperação judicial não progrediu. A Lei Complementar 147/2014 instituiu a classe IV – titulares de créditos enquadrados como ME e EPP. Esta mudança trouxe pouco benefício e criou polêmica na interpretação dos critérios de aprovação do Plano de Recuperação Judicial. Por outro lado, a principal modalidade de empréstimo financeiro está vinculada à alienação fiduciária. Ela, não está sujeita aos efeitos da recuperação judicial, abrange o principal montante de dívida da empresa em grande parte dos atuais casos. A sujeição desta modalidade à Lei é crucial para aumentar as chances de recuperação da empresa.

Atualmente, os credores concordam que é preciso alterar a lei, incluindo a alienação fiduciária, promovendo meios mais eficazes de garantir a recuperação desses créditos, seja por meio da criação de uma classe especial de credores ou outros meios.

O segundo ponto trata das dívidas tributárias. Houve uma iniciativa em âmbito federal em 2009 e alterada em 2015, que regulamentou um parcelamento especial em 84 meses para empresas em recuperação judicial. O prazo é inferior se comparado a outros parcelamentos já concedidos. As condições também são mais restritivas e não favorecem o soerguimento de uma empresa. E ainda há a necessidade de se regulamentar parcelamentos nas esferas estaduais e municipais. O assunto precisa ser discutido, pois em muitos casos, a principal dívida da empresa é de natureza tributária.

Propostas como dilação do prazo de pagamento, e utilização integral do prejuízo fiscal para compensação da dívida devem estar na pauta do grupo de trabalho. É verdade que o assunto é delicado para os técnicos da Receita Federal, que obviamente estão preocupados com os efeitos disso na arrecadação. Certamente, este será um ponto polêmico e de difícil avanço.

Quanto ao Judiciário, a lei estabelece que o pedido de recuperação seja imediatamente analisado e deferido pelo juiz da comarca principal da empresa. Porém, cada juiz cria um ritual próprio de análise do pedido. Muitas vezes, esse permanece semanas em análise. Para quem pede recuperação, um prazo longo é prejudicial, pois a empresa fica exposta a uma série de riscos. E depois do deferimento, uma cadeia de prazos de impugnações e contestações acarreta demora na realização da assembleia-geral de credores e na homologação da recuperação judicial. Enquanto isso, fornecedores, trabalhadores, clientes e financiadores sentem-se inseguros, diminuindo suas chances de sucesso. E a via crucis ainda se estende por pelo menos mais dois anos após a homologação, obrigando a empresa a carregar o aposto de “em recuperação judicial”, o que a classifica como rating de risco para os bancos. A consequência disso é: crédito escasso e juros maiores.

As alternativas para aliviar esse quadro, podem ser a definição de um prazo máximo entre o pedido e o deferimento da recuperação, dois a cinco dias úteis. Outra ideia é que a empresa com plano aprovado tenha a recuperação encerrada no momento da aprovação pela assembleia, o que evitaria tantas burocracias e traria rapidamente seu rating no mercado de crédito. Para isso, é recomendável que o juiz fosse uma pessoa especializada.

Hoje, com exceção das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, onde há varas especializadas, o Brasil não possui juízes especializados em recuperação judicial, ou seja, o mesmo que analisa o pedido também julga questões da Vara de Família, e tantos outros processos. A sugestão é criar varas especiais, instaladas por regiões para analisar somente os pedidos daquela jurisdição.

Todos esses assuntos estão na pauta do grupo que tem se reunido no Ministério da Fazenda. Esse é formado por técnicos da Receita Federal, juízes, advogados especializados de credores e devedores e membros do TMA Brasil. Espera-se que esse grupo chegue a definições, de preferência com rapidez, que desatem os nós que impedem muitas empresas de sair da recuperação judicial em condições mais favoráveis.

Se o objetivo for alcançado, os maiores beneficiados não serão apenas essas empresas, mas sim a economia brasileira, que certamente tem a ganhar se contar com companhias cada vez mais saudáveis e em condições de investir, gerar empregos e arrecadar impostos.

Por Fábio Astrauskas - CEO da Siegen, membro fundador e conselheiro fiscal da TMA Brasil,

professor e coordenador do Insper para o curso Turnaround de Empresas: da reestruturação à recuperação.

Fonte: Valor Econômico

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