Com tanta transformação no mundo e nas relações de trabalho, falar ainda de enquadramento sindical é sempre um retorno ao passado, mas que pode servir para reflexão. Quando se trata, então, de enquadramento sindical do trabalhador inserido no regime jurídico de trabalho temporário da Lei 6.019/74, nota-se verdadeira incompreensão de sua condição jurídica, pois se coloca a dúvida quanto à suposta categoria profissional passível de integrar-se a sindicato dentro da atual estrutura sindical. Aliás, as expressões enquadramento sindical e categoria profissional ou econômica servem apenas para buscar recolhimento de contribuição sindical.
A propósito, compreensível, com ressalvas terminológicas, publicação de decisão do Excelso Pretório, veiculada no sítio do TST, de 24 de maio de 2016, sob título de Mantida contribuição de trabalhadores temporários para sindicato dos tomadores de serviço (Processo TST-RR-119-43.2012.5.09.0008).
A perplexidade do título nos fez pesquisar sobre o processo. A constatação foi a seguinte reproduzida na ementa: “O conceito de categoria profissional, consoante o art. 511, §2º, da CLT, é definido pela similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas”.
E prossegue afirmando: “É no cerne da empresa tomadora de serviços, em que os trabalhadores temporários executam seus afazeres e se sujeitam às mesmas condições de trabalho, que se encontram presentes os requisitos de similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas”.
E ainda que, “além disso, o artigo 12, ‘a’, da Lei 6.019/1974 dispõe que é assegurado ao trabalhador temporário remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da empresa tomadora inclusive benefícios previstos em normas coletivas”.
Arremata a ementa assim: “Nessa senda, os trabalhadores temporários deverão ter o mesmo o enquadramento sindical dos empregados do tomador de serviços, tendo em vista a identidade do trabalho que desenvolvem, as necessidades que possuem e as exigências que lhes são comuns, porquanto laboram lado a lado com os empregados da tomadora, inclusive em funções ligadas à sua atividade fim, além de legalmente lhes ser assegurado remuneração equivalente à percebida pelos empregados da mesma categoria da empresa tomadora” (gn).
Primeira observação que se faz é que não nos parece que se possa chamar de empregado o trabalhador inserido no trabalho temporário (não há pessoalidade na contratação pelo tomador nem subordinação típica de vínculo de emprego e, por conseguinte, falta anotação na CTPS na condição de empregado). Desta feita, não deve pertencer a categoria alguma por falta de elemento jurídico da condição fundamental que é a de ser empregado de qualquer uma das partes, tanto fornecedora de mão de obra quanto da tomadora de mão de obra.
A execução de trabalho temporário, fundamento jurídico que permite a cessão de mão de obra e o trabalhador nele inserido, não é capaz de gerar vínculo de emprego e não pertence a nenhuma categoria (para utilizar o termo em que se baseia a vetusta organização sindical) porque não são trabalhadores que se unem de forma contínua, mas o caráter efêmero e transitório é sua característica, isto é, não há similitude de interesses. A extensão de direitos por isonomia que faz a Lei 6019/74 corresponde a garantias mínimas ao trabalhador quando a empresa tomadora tem necessidade de atender a uma das condições de trabalho temporário (acréscimo extraordinário de serviço ou substituição de pessoal permanente). O artigo 12 da citada lei não faz enquadramento sindical, apenas amplia a proteção ao trabalhador que, temporariamente, se beneficia das condições atribuídas à categoria profissional da empresa tomadora.
Outro absurdo dessa ação, pelo o que se pode apreender, é que o sindicato denominado Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros, Colocação e Administração de Mão de Obra, Trabalho Temporário, Leitura de Medidores e de Entrega de Avisos no Estado do Paraná (Sineepre) pretendia que fosse reconhecida sua legitimidade para representar os “empregados da reclamada, empresa fornecedora de mão de obra, que prestam serviço de natureza temporária” (sic).
Mais absurdo, ainda, admitir que alguma empresa possa ter ’empregados” e submetê-los a trabalhos de natureza temporária é o reconhecimento público do crime de marchandage.
Então, empresa fornecedora de mão de obra não tem e não pode ter empregados para inserir em tomadores para execução de trabalho temporário. Há lei e condições próprias para cessão de mão de obra.
De outro lado, ainda, não pode a extensão de direitos por isonomia, prevista no artigo 12, da Lei 6019/74, implicar a obrigação de vinculação à categoria profissional das tomadoras para os fins de recolhimento de contribuição sindical, pois tais trabalhadores não reúnem a condição de empregados integrantes da categoria profissional. Tal extensão diz respeito a direitos básicos da norma coletiva, excluindo-se, por exemplo, participação nos lucros ou resultados. Aliás, nesse sentido, o enquadramento sindical dos trabalhadores é reservado aos que estiverem em condição de emprego na mesma atividade econômica. Não é o caso no trabalho de natureza temporária!
E, finalmente, processos dessa natureza, em que sindicatos pretendem arrebanhar trabalhadores para fins de cobrança de contribuição sindical, deveriam ser rejeitados pelo Judiciário trabalhista porque, com todo respeito, definir enquadramento sindical não pode ser tarefa do Poder Judiciário. A decisão acomoda o sindicalismo já acostumado no tempo a um paternalismo e protecionismo que precisa ser transformado. Quem sabe o Poder Judiciário possa ser a salvação de grandes mudanças sindicais quando passar a negar decisões de enquadramento sindical e de benefícios em torno de contribuição sindical!
(*) Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, por Paulo Sergio João (*), 03.06.2016
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