A mídia tem divulgado diversas notícias sobre iniciativas que o atual governo interino estaria elaborando para reformar o direito do trabalho, sendo que uma das principais medidas seria a introdução do negociado sobre o legislado.
Afinal o que é negociado? E o que é legislado?
O legislado é composto primordialmente pelos direitos trabalhistas previstos nos arts. 7º ao 11 da Constituição Federal de 1988 (CF/88) e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que é a principal legislação que regula o trabalho subordinado, isto é, aquele em que o trabalhador executa o serviço sob as ordens do patrão e é por ele remunerado.
O negociado se constitui nos Acordos Coletivos de Trabalho (ACT) ou Convenções Coletivas de Trabalho (CCT), que podem ser firmados pelos sindicatos das categorias dos trabalhadores com uma ou mais empresas (ACT) ou entre os sindicatos das categorias de trabalhadores e os sindicatos das categorias econômicas das empresas (CCT). Os primeiros aplicam-se apenas aos contratos de trabalho firmados entre os empregados e as empresas signatárias. Já as CCTs aplicam-se a todos os contratos de trabalho firmados entre os trabalhadores e as empresas, que estejam no âmbito de representação das entidades sindicais signatárias.
Os ACT e CCT são normas coletivas de trabalho, juridicamente reconhecidas no texto constitucional. Essas normas podem estipular outras condições de trabalho, que também regerão os contratos de trabalho por elas abrangidos.
O art. 7º da CF/88 dispõe e elenca os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social. Esse artigo consagra o que chamamos na doutrina jurídica de princípio da vedação do retrocesso social, aplicável aos direitos humanos em geral e também aos direitos humanos do trabalho. Segundo este princípio, a inovação legislativa ou normativa deve ocorrer para beneficiar os trabalhadores. Contudo, o próprio texto constitucional, ao dispor sobre os diversos direitos dos trabalhadores, também estabelece aqueles em que os atores sociais (sindicatos de trabalhadores, empresas e respectivas organizações sindicais) podem dispor de outra forma, para adequar as condições de trabalho à realidade das empresas.
Assim, por exemplo, a Constituição autoriza a negociação coletiva para tratar da redução de salário e/ou de jornada. A CLT também autoriza a redução do intervalo mínimo de uma hora para almoço, uma vez atendidas as exigências das autoridades do Ministério do Trabalho em matéria das condições ambientais dos refeitórios.
O que se pretende, na verdade, com essa nova reforma trabalhista, é reduzir direitos dos trabalhadores e, dessa forma, diminuir os riscos e os custos das empresas, aumentando suas margens de lucro.
Fazemos referência à nova reforma trabalhista, porque a CLT, tanto criticada pelo empresariado mais conservador, vem sendo reformada desde a segunda metade do século passado. A principal reforma, que enfraqueceu fortemente o direito à proteção do emprego, ocorreu com a criação da Lei do FGTS. A partir de então, admitiu-se que o empregador pode dispensar o empregado, a qualquer tempo, sem qualquer motivação, bastando pagar a indenização prevista em lei (40% do saldo do FGTS).
Muitas outras se seguiram: a regulação do contrato por prazo determinado; a contratação de trabalho temporário, por interposta empresa; possibilidade de alteração do contrato de trabalho; as hipóteses de exclusão do limite e controle de jornada de trabalhadores; o trabalho a tempo parcial e o regime de compensação de jornada, com banco de horas.
Como se vê, a CLT foi alterada em diversos aspectos para atender demandas do capital: flexibilidade na entrada, através de novas formas de contratação do trabalhador; flexibilidade na saída, eliminando a possibilidade de reintegração do trabalhador ao emprego, salvo nas hipóteses de dispensa arbitraria ou discriminatória; flexibilidade para alterar a função do empregado, vedado o rebaixamento; proteção social pelo Estado, em caso de desemprego e doença (Seguro Desemprego e Benefícios Previdenciários temporários e pagos pelo Estado).
Caso o setor empresarial queira, de fato, modernizar as relações de trabalho no Brasil, deveria iniciar as discussões pela regulamentação do art. 7º, I, que trata da proteção ao emprego e da despedida arbitrária. E neste tópico, a Convenção nº 158 da OIT teria relevante papel. Mas sua ratificação foi condenada pelo capital, o que levou à denúncia desse tratado internacional no ano seguinte da sua ratificação perante a OIT. Ou ainda pela regulamentação do art. 11 da CF/88, que trata da possibilidade de eleição de representante dos trabalhadores nas empresas com mais de 200 empregados, de modo a garantir alguma democracia e o diálogo com os trabalhadores no chão de fábrica. Estariam os empresários brasileiros dispostos a negociar e regulamentar esses direitos, em prol da efetiva modernização das relações de trabalho no Brasil?
(*) João Carlos Teixeira e Renan Bernardi Kalil são, respectivamente, procurador do trabalho e Coordenador Nacional de Promoção da Liberdade Sindical (Conalis) do MPT; procurador do trabalho e vice-coordenador nacional da Conalis do MPT.
Fonte: Valor Econômico, por João Carlos Teixeira e Renan Bernardi Kalil, 07.06.2016
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