O acidente do trabalho, indiscutivelmente, causa danos patrimoniais e extrapatrimoniais ao trabalhador. A dor decorrente do infortúnio é agravada principalmente quando o acidente gera redução permanente da capacidade laborativa por mutilação de membro ou debilidade física. Em casos não raros, trabalhadores jovens sofrem a imposição de longos afastamentos e aposentadoria por invalidez pela ocorrência de prejuízos físicos ou psicológicos causados por consequência de sua atividade laboral.
Todavia, não apenas o trabalhador lesado sofre as consequências do acidente do trabalho. Os danos materiais e morais atingem também aqueles com quem o acidentado possui ligação familiar ou afetiva, seja pela redução na força de trabalho daquele que, em muitas vezes, é o responsável pelo sustento da família, seja pela exposição imposta aos entes próximos em virtude da alteração da harmonia física do acidentado.
É o chamado dano reflexo, ou em ricochete, que consiste no prejuízo que sofre uma pessoa por dano causado a outra. A doutrina e jurisprudência pátrias, inicialmente, reconheciam o direito à indenização de familiares de trabalhadores acidentados apenas para os casos em que o infortúnio ensejava a morte do obreiro. Nestas situações, os herdeiros/dependentes buscavam a tutela do Poder Judiciário em nome próprio, ou sucediam o trabalhador acidentado no caso de este já ter ajuizado a ação indenizatória antes do falecimento.
Em decorrência da existência dos danos indiretos causados às pessoas que convivem com o trabalhador que se acidenta, o Poder Judiciário tem mudado o seu entendimento para reconhecer a legitimidade de entes familiares para a propositura de ação indenizatória.
É o caso, por exemplo, de filhos menores que atravessam a infância testemunhando o sofrimento do pai que sofreu acidente do trabalho e precisou amputar um membro inferior, fato que o fez dependente de cadeira de rodas e da ajuda de terceiros para as mais simples tarefas do dia a dia. Além de acompanharem a dor do pai, os dependentes são submetidos a evidente constrangimento em seu meio social, causado pela nova e desarmoniosa aparência física do genitor.
Nesta situação hipotética, o dano causado aos filhos menores sequer necessita de comprovação, pois se relaciona com o sofrimento psicológico que afeta o patrimônio moral por afeição das crianças. Trata-se de dano evidente que prescinde de prova da sua efetiva ocorrência, sendo, pois, in re ipsa.
Os requisitos ensejadores da obrigação de indenizar o dano em ricochete são os mesmos exigidos para a reparação dos danos diretos causados ao trabalhador acidentado, previstos nos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil (ato ilícito, dano, nexo de causalidade e culpa, se for o caso de responsabilidade subjetiva).
Diante do exposto, a ocorrência de acidente do trabalho gera ao empregador não apenas o dever de indenizar o trabalhador lesado. Além de ter que arcar com o pagamento de pensão correspondente à redução da capacidade laborativa, tratamentos médicos necessários e indenizações por danos morais/estéticos, a empresa pode ser condenada a indenizar os familiares e as pessoas próximas ao acidentado, pelos danos em ricochete causados, consoante vem decidindo os nossos Tribunais pátrios.
A título exemplificativo de como tem se posicionado o Poder Judiciário, tem-se a decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, no ano de 2014, em que a empregadora foi condenada ao pagamento de indenização por dano moral reflexo ao esposo de trabalhadora vítima de acidente do trabalho que amputou seus membros superiores. No caso concreto, a culpa objetiva do empregador foi provada nos autos, bem como o fato de o dano ter extrapolado a pessoa da vítima e ter atingido diretamente o patrimônio moral de terceiros, notadamente daqueles que compõem o círculo familiar.
É possível citar ainda a decisão prolatada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, também em 2014, sobre a reclamação trabalhista em que o primeiro reclamante (diretamente ofendido) foi vítima de acidente de trabalho que o invalidou para o labor em razão de tê-lo deixado paraplégico, e a segunda reclamante (esposa) não buscou direitos que seu companheiro possuía em face da empresa por conta do acidente laboral, mas, sim, postulou direito próprio de ser indenizada pelos abalos na esfera moral que a invalidez de seu esposo lhe acarretou.
Com o intuito de restringir a abrangência do dano passível de reparação, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que os beneficiários da reparação de danos em ricochete são os membros do núcleo familiar mais íntimo da vítima, isto é, aqueles que residam sob o mesmo teto, convivam diariamente com o acidentado. Na maioria das vezes, a ação é proposta pelo cônjuge e pelos filhos do trabalhador. Para estes indivíduos, há uma presunção de dano. No entanto, é importante frisar que somente em favor do cônjuge, dos filhos e dos pais da vítima há uma presunção absoluta de danos decorrentes de lesões sofridas pelo trabalhador. Por conseguinte, os demais parentes que objetivem reparação deverão provar o dano sofrido.
Importante registrar neste sentido, que, ainda que não tenha havido o óbito do trabalhador acidentado, mas que o infortúnio lhe cause invalidez para suas atividades, é inquestionável que tal situação traz angústia e abalo moral às pessoas de seu núcleo familiar que participam do sofrimento psíquico em razão do acidente. É indene de dúvidas que as limitações funcionais que acometeram o trabalhador o tornarão dependente de seus familiares, em maior ou menor grau de invalidez. Tal fato gera mudança na rotina de toda a família e repercute na vida pessoal de cada um dos entes que coabitam com o acidentado.
Pelo exposto, a mudança de entendimento da jurisprudência no sentido de reconhecer a legitimidade de familiares do trabalhador acidentado para requerer indenização em face da empresa caracteriza importante avanço na proteção do trabalhador, haja vista que a relação de trabalho não se restringe apenas ao que foi pactuado entre empregado e empregador, mas cria reflexos diretamente e indiretamente na intimidade do núcleo familiar como um todo.
*Nathália Monici é advogada.
Fonte: Boletim Migalhas, por Nathália Monici (*), 30.05.2016
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