Fenômeno mundial, a terceirização é tema essencial para a competitividade e para a modernização da produção no Brasil. Nas últimas décadas, a globalização gerou mudanças profundas no mundo produtivo, econômico e trabalhista, que impactam na estrutura da sociedade, do mercado de trabalho e dos modos de produzir e de trabalhar.
A pluralidade de setores e de formas de produzir, e a interconexão crescente entre pessoas e tecnologias geraram um cenário que, no que importa à gestão do negócio, faz com que hoje poucas empresas realizem um processo produtivo sem firmar parcerias conhecidas no Brasil como terceirização, e no exterior, por vezes, como outsourcing.
Entretanto, o Brasil ainda não dispõe de uma regulamentação sobre a terceirização. O país está, assim, restrito aos direcionamentos da jurisprudência consolidada na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que tem como duas principais delimitações para o setor produtivo (i) a especificação da responsabilidade subsidiária das empresas contratantes de serviços relativamente a eventuais verbas devidas pelo empregador (empresa contratada) a seu trabalhador; e (ii) a vedação da terceirização em atividades-fim, permitindo-a apenas nas chamadas atividades-meio.
A responsabilidade subsidiária parece ser um caminho adequado de estabelecimento de co-responsabilização entre empresas, uma vez que mantém a ligação direta entre empregadora (prestadora de serviços) e seus empregados, ao mesmo tempo que atrai maior garantia de que os direitos trabalhistas serão cumpridos. A dicotomia entre atividades meio e fim, entretanto, parece só atrair insegurança jurídica e aumentar a distância do Brasil dos países mais competitivos. E essa separação artificial da atividade produtiva é inadequada para diferenciar terceirizações legítimas, especialmente na contemporaneidade, época caracterizada cada vez mais pela produção especializada e pelo trabalho em redes, com diferentes empresas compondo com bens ou serviços etapas do processo produtivo.
Também é inadequada a diferenciação artificial entre meio e fim porque a estrutura e os núcleos de negócios das empresas são hoje alterados de forma a acompanhar a velocidadedas demandas e das necessidades de produção e de mercado. Assim, o foco das empresas pode ser alterado de forma constante e dinâmica, tornando-se cada vez mais inviável diferenciar os limites entre uma atividade finalística. Tudo vai depender do plano de negócios adotado pela empresa em determinado momento. Um exemplo claro disso está entre as maiores fabricantes de eletrônicos do mundo: na década de 1980 seu foco era a fabricação de computadores. Hoje, em raras ocasiões, fabricam os eletrônicos; seu negócio está direcionado ao design, à inovação e à gestão da marca.
É necessário superar o descompasso do Brasil com o mundo em relação à terceirização, e vencer a insegurança jurídica que tem prejudicado o país, com impacto negativo em sua produtividade, competitividade e geração de empregos, em especial a vedação à terceirização de atividades-fim. O caráter genérico e indefinido desse conceito atrai dúvidas sobre o que pode ou não ser terceirizado, reduzindo as possibilidades de empreender e de buscar estratégias de maximizar a eficiência do negócio. Aliás, à empresa compete a escolha do que terceirizar a depender do foco que quer dar ao seu negócio.
Se olharmos para a realidade de outros países com os quais o Brasil compete ou que são conhecidos por suas legislações trabalhistas, vê-se que, de forma geral, a terceirização é permitida, não havendo distinção sobre o que pode ou não uma empresa terceirizar tendo em vista um critério de atividade meio ou de atividade fim. NaÁfrica do Sul, Alemanha, Austrália, Colômbia, Chile, Espanha e Suécia, por exemplo, o foco é simplesmente garantir proteção aos trabalhadores, ao mesmo tempo em que se permite que as empresas tomem suas decisões de iniciativa econômica, com adoção de táticas que busquem maior eficácia na produção e competitividade.
Portanto, o ponto central nesses países é, na verdade, o respeito às proteções aos trabalhadores, sem prejudicar a escolha por estratégias de negócio voltadas à busca por maior especialização e eficiência produtiva. Isso porque tem se reconhecido que a terceirização é uma importante ferramentapara que as empresas se integrem a cadeias de produção global. É importante que o Brasil avance na regulamentação da terceirização, superando a dicotomia artificial de separação de atividades, de forma a colocar-se no rumo do crescimento social e econômico, com segurança jurídica.
(*) Sylvia Lorena, Gerente Executiva de Relações do Trabalho da CNI, advogada e membro do Conselho de Administração da OIT. Pablo Carneiro, Especialista em Políticas e Indústria da CNI.
Fonte: CNI, por Sylvia Lorena e Pablo Carneiro, 06.12.2016
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